Violência no local de trabalho
assédio moral
José Carlos Ferreira
Violência é um tema que domina a imprensa de todo o mundo, e assusta igualmente ricos e pobres. É a vida do indivíduo que se encontra sob permanente risco nas ruas, nas residências, nas escolas, através de homicídios, roubos, seqüestros e atentados terroristas.
Somente a partir da década de noventa é que começa a aparecer na imprensa, iniciando o debate, a violência no local de trabalho. Basicamente, as razões pelo aparecimento tardio dessa abordagem estão relacionadas com os conceitos restritos de violência e local de trabalho. Por violência se entende de imediato, aquela de ordem física, como as mencionadas acima e, por local de trabalho, se visualizam um galpão, com máquinas e pessoas trabalhando. No entanto, qualquer espaço físico onde alguém trabalhe é um local de trabalho, como nossas próprias casas, as ruas e becos patrulhados pelos policiais, os quartéis, os veículos conduzidos por taxistas, as salas de aula, os presídios, os hospitais etc. Daí porque o tema permaneceu tanto tempo oculto, sabendo-se que outros tipos de violência, que não as de ordem física, ocorrem com freqüência desde que se estabeleceram as primeiras relações de trabalho na história.
Por violência no local de trabalho se entende qualquer ação, incidente ou comportamento tido como fora dos padrões aceitáveis como conduta normal, onde o trabalhador, durante o seu trabalho ou como resultado direto do mesmo, é assaltado, ameaçado, ferido ou injuriado. Há dois tipos de violência no trabalho: interna, quando ocorre entre trabalhadores, incluindo gerentes e supervisores; e externa, quando ocorre entre trabalhadores, incluindo gerentes e supervisores, e qualquer outra pessoa presente no local de trabalho ou que se comunique com eles por telefone, numa relação trabalhador/cliente.
A violência no local de trabalho pode ser tanto física como moral ou psicológica, e ambas, dependendo de sua gravidade, intensidade e freqüência, de efeitos traumatizantes e dramáticos para os trabalhadores e suas famílias, para as empresas onde trabalham e para a sociedade como um todo. O trabalhador agredido moralmente com freqüência tem sua auto-estima deteriorada. Esse mesmo trabalhador, numa segunda etapa, apresenta-se deprimido, desestimulado a trabalhar e, por conseguinte, com menor rendimento. Referidos estados de ânimo são imediatamente transferidos para suas famílias, afetando o relacionamento com seus cônjuges e filhos. Muitos se deixam levar, num passo seguinte, ao consumo cada vez maior de álcool, de tabaco e até mesmo de drogas, na ilusão de se re-equilibrarem emocionalmente, dentro e fora do ambiente de trabalho. As alternativas que se lhe apresentam são a demissão voluntária ou a dispensa por justa causa. Em ambos os casos, sua re-inserção no mercado de trabalho se torna mais difícil, comprometendo as condições de vida dele e de sua família.
Ainda como trabalhador empregado, porém, sob condições psicológicas desfavoráveis, aumenta a possibilidade de se ausentar do emprego com mais freqüência, assim como o risco de sofrer acidentes no trabalho, comprometendo a produtividade da empresa e, consequentemente, seus lucros.
São reais e grandes as chances que o trabalhador assediado intensivamente seja afastado para tratamento de saúde, recaindo no poder público a responsabilidade por manter seu salário e arcar com os custos de sua recuperação.
Consequentemente, o assédio moral não pode interessar a ninguém. Daí porque esse tipo de violência deve ser muito mais entendida como elemento no campo da segurança e saúde do trabalhador, ainda que o zelo para que ela não ocorra seja de responsabilidade dos departamentos de Recursos Humanos.
Como todo e qualquer tipo de assédio, sua identificação está condicionada a padrões culturais e religiosos de cada país, podendo assumir diferentes formas, aceitos em alguns como assédio e, em outros, como conduta normal, dificultando uma definição que poderia ser aceita internacionalmente. São poucos os países que já contam com uma legislação prevenindo o assédio moral no local de trabalho. O mesmo não ocorre com o assédio sexual, contra o qual os trabalhadores de muitos países já estão protegidos.
Dois tipos de violência aparecem cada vez mais na imprensa, o bullying, definido como comportamento ofensivo através de atos vingativos, cruéis, maliciosos ou humilhantes, com o objetivo de “detonar” um indivíduo ou grupo de trabalhadores, tais como os ataques negativos e persistentes sobre seus desempenhos profissional e pessoal. Outro tipo de agressão se chama mobbing, referindo-se a uma união de forças contra um empregado, sujeitando-o a um assédio psicológico, por exemplo, por meio de reiteradas críticas ou chamadas de atenção, isolamento no local de trabalho e afastamento do convívio social, difusão de rumores e até mesmo ridicularizando a pessoa.
Para se ter uma idéia da dimensão do problema, nos Estados Unidos, cerca de 20 trabalhadores são assassinados e 18.000 assaltados no local de trabalho por semana. Na África do Sul, de cada cinco trabalhadores, quatro revelaram, numa pesquisa recente, ter sofrido hostilidades no local de trabalho. No Reino Unido, uma pesquisa feita pela “British Retail Consortium”, nos anos de 1994/1995, revelou que entre os empregados de todas as empresas que dela faziam parte, cerca de 11.000 foram vítimas de violência física e outros 350 mil sujeitos a ameaças e abuso verbal. Na Suécia, cerca de 10 a 15% dos suicídios anuais estariam relacionados com mobbing.
Segundo o “National Safe Workplace”, nos Estados Unidos, a violência no trabalho custou aos empregadores americanos mais de US$4 bilhões em 1992. Na Alemanha, o custo total relacionado com atos de mobbing teria custado 2.5 bilhões de marcos por ano. Não se tem ainda dados quantitativos sobre este tipo de violência no Brasil. Sabe-se, no entanto, que cresce o número de indenizações pagas quando o empregado decide reclamar seus direitos na justiça como trabalhador.
Quanto às causas, predomina o sentimento de que a violência no trabalho é conseqüência de trabalhadores infelizes, cônjuges violentos ou infelizes, pessoas desesperadas. Muitas empresas estão aplicando testes nos candidatos a uma vaga com o objetivo de detectar pessoas potencialmente violentas e, consequentemente, elimina-las.
Na realidade, a violência é resultante da interação de uma série de fatores, começando pelo desenvolvimento da criança e a influência familiar, passando por fatores culturais e pessoais, consumo de substâncias perigosas, doenças mentais, presença e força influenciadora de amigos etc. Daí a importância de se assistir a cada criança, rica e pobre, na sua formação física, mental e social, disponibilizando creches para cobrir todo o universo infantil e introduzindo a formação da cidadania a partir dos primeiros anos escolares.
Em geral, os jovens e as trabalhadoras (não importa a idade) formam o grupo de trabalhadores de mais alto risco no que se refere à violência no local de trabalho. Os jovens, pela inexperiência, desconhecimento dos seus direitos, temor de perder o emprego arduamente conquistado. As mulheres porque, em princípio, a grande maioria estaria concentrada em ocupações de alto risco, trabalhando como professora, assistente social, enfermeiras, bancárias e balconista.
Assegurar um ambiente de trabalho isento de qualquer violência moral é cumprir com a Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, sobre Saúde e Segurança Ocupacional. Respeitar a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho da OIT, de 1998, principalmente no que diz respeito à liberdade sindical e o compromisso com o diálogo social, representa fazer uso desses instrumentos como elementos chaves na busca de um ambiente de trabalho saudável.
Em termos de políticas internas no local de trabalho, prioridades deveriam ser dadas à construção de uma cultura baseada no trabalho decente, o que implica na presença de ética laboral, respeito mútuo, tolerância, oportunidades iguais, cooperação e qualidade do serviço prestado. Esta conquista não é de responsabilidade de um único ator, mas, sim, resultante de um esforço conjugado entre governo, empregadores e trabalhadores.
Ao governo compete, essencialmente, rever e melhorar a legislação referente à saúde e segurança no trabalho, em consulta com seus atores sociais, no sentido de orientar preventivamente a eliminação de riscos, como também assegurar ao trabalhador os seus direitos a um ambiente totalmente saudável.
Aos empregadores, em consulta com representantes de seus empregados, corresponde desenvolver e implementar políticas e procedimentos capazes de eliminar ou minimizar o risco de ocorrência de violência no local de trabalho. Atenção especial tem que ser dada ao processo de capacitação, principalmente para gerentes e supervisores, colocando a questão da violência no trabalho em evidência.
Aos trabalhadores, cabe cooperar com a gerência, apresentando propostas de políticas, ativando seus comitês internos de segurança, cumprir e ajudar no cumprimento das políticas internas relacionadas com a qualidade do ambiente no trabalho.
Definitivamente, a construção de um mundo sem violência, dentro e fora do local de trabalho, somente será alcançada quando todos tiverem um trabalho decente, com rendimento que permita sustentar a si e sua família, conquistado num ambiente isento de qualquer tipo de discriminação e onde se possa ouvir e se fazer ouvir no tocante ao cumprimento dos direitos trabalhistas que lhe tocam, inclusive o de trabalhar num ambiente saudável e seguro.
José Carlos Ferreira - Diretor Adjunto do Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil