Tolerância zero na repressão à pirataria

Tolerância zero na repressão à pirataria

Roberto Carlos do Santos / Rodrigo Thompson

Nenhuma sociedade que se possa dizer civilizada, em nenhum lugar do mundo, aceitaria que mercadorias ilícitas, quanto a sua essência ou origem, fossem vendidas em praça pública, em grande quantidade, e de modo absolutamente ostensivo. Equivaleria a verdadeira desmoralização do Estado de Direito! Por que será, então, que vemos, diariamente, em nossas cidades, vendedores ambulantes a comercializar mercadorias contrafeitas e pirateadas, aos altos berros, na presença de qualquer um?

E, para piorar a situação, o fazem muito freqüentemente a poucos metros das repartições públicas que têm a competência de combater esse crime. Apenas para amenizar a péssima impressão que nos causa essa constatação, lembramos que, mesmo em países considerados mais "evoluídos" que o nosso, o problema da pirataria ainda não foi resolvido satisfatoriamente.

No caso do comércio ilegal praticado pelos vendedores ambulantes brasileiros, esse problema social guarda relação bastante estreita com outros de semelhante gravidade, tais como: elevada carência de empregos formais, baixo nível de instrução e capacitação, ineficácia ou inexistência de políticas públicas de esclarecimento dos prejuízos que ela provoca, etc. Do ponto de vista de quem a pratica, em boa parte dos casos, essa pode ter sido sua única chance de trabalho remunerado, o único meio de levar sustento a sua família.

De fato, como convencer essas pessoas de que sua atividade é danosa para os próprios trabalhadores? Como conscientizá-los de que a pirataria, além de outros males à sociedade, recrudesce a deficiência de vagas no mercado de trabalho formal, se, por não terem comumente boa qualificação profissional, têm a noção clara de que, na prática, dificilmente as ocupariam?

Diante desse grave problema social, boa parte da sociedade passou a conviver, de modo leniente, e freqüentemente cooperativo - quando compra esse tipo de produto -, com a prática generalizada desse crime. Esse afrouxamento moral é péssimo, não só para a própria organização da sociedade, mas, fundamentalmente, pelos perigosos precedentes que encerra.

A prática criminal, qualquer que seja, jamais pode ser banalizada, sob pena de se estar indiretamente incentivando a prática de outros crimes até mais graves.

A falta de conscientização da sociedade produz um ciclo negativo: quanto mais forte essa tendência, mais difícil é a ação dos mecanismos públicos de repressão e vice-versa. A atuação dos agentes incumbidos dessa tarefa é muito dificultada quando não há o apoio da sociedade, e quando não há naqueles que estão praticando o ilícito, a noção clara de que devam ser punidos por isso.

Ora, diante de um contingente tão grande de pessoas realizando os mesmos atos, às escâncaras, o sentimento dos relativamente poucos que vêm a sofrer punição por isso, percepção essa agravada pelo baixo nível de esclarecimento, é de que, por não poder punir todo mundo, o poder público "persegue" alguns para fins de expiação.

Desse modo, ações isoladas, realizadas inopinada e abruptamente, desacompanhadas de campanhas de esclarecimento, podem até produzir um efeito "bombástico" imediato nas redondezas onde ocorrem, mas não servem ao combate profilático, amplo, eficaz e duradouro.

Em vez de essas medidas esporádicas formarem consciência crítica na sociedade, acabam, ao inverso, piorando a situação: cada vez mais, a população inadvertida tende a se sensibilizar com a situação dos que praticam esse delito, e a tomar antipatia em relação às ações públicas.

Então, mais eficaz do que se tentar pegar infratores de surpresa é fazer uma ampla campanha de esclarecimento dos inúmeros prejuízos que a pirataria provoca à sociedade: danos ao mercado formal de trabalho, aos consumidores, ao desenvolvimento tecnológico, riscos à saúde etc. Nessa campanha, - que deve utilizar todos os meios de informação disponíveis (aliás, esse seria um excelente investimento governamental em publicidade) - a população deve estar plenamente ciente de que a repressão ocorrerá com muito maior rigor: tolerância zero.

Paralelamente, governo e iniciativa privada devem realizar esforços conjuntos para levar essa imensa massa de trabalhadores ao mercado formal. Há de se criar condições objetivas para isso, sobretudo com vistas a dar condições de competitividade aos produtos de origem lícita.

Para isso, sua aquisição pelo consumidor final deve ser facilitada ao máximo, pela diminuição de custos de produção e comercialização, até onde for economicamente possível ao Estado e aos empresários.

As ações repressivas devem ser realizadas de modo bastante freqüente, com aparato policial e fiscal adequado, de modo itinerante, em todos lugares onde o comércio ilegal esteja sendo praticado, sem que se dê tempo para sua reorganização.

Em suma: a repressão à pirataria, para ter mais chances de êxito, precisa ser contínua, ostensiva, bem divulgada e aparelhada, e, principalmente, necessita do apoio da iniciativa privada, da compreensão da população e, tanto quanto possível, do aproveitamento, no mercado formal de trabalho, das pessoas anteriormente levadas a se envolver nessa prática por questões de sobrevivência. $

Por Roberto Carlos - Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil e diretor Jurídico adjunto do Sindireceita e Rodrigo Thompson - Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil diretor de Assuntos Parlamentares do Sindireceita e coordenador da campanha "Pirata: tô fora! Só uso original".