Consumidor não relaciona pirataria à crime
Preço é o principal fator de decisão na hora da compra
Quase a metade das pessoas que compram produtos piratas não relacionam essas mercadorias ao crime organizado. Essa é uma das principais conclusões de uma pesquisa realizada em São Paulo que mostrou também que, para a maioria dos consumidores, o preço é o principal fator de decisão na hora da compra, não importando a origem do produto, mesmo que seja ilegal, como é o caso dos produtos piratas.
De acordo com a pesquisa, 48,1% dos entrevistados não relacionam os produtos piratas ao crime organizado. Comparando os resultados por grau de instrução, o estudo mostra que 40,3% dos entrevistados com o "Ensino Fundamental - completo ou incompleto" não percebem a relação com o crime, enquanto 52% dos entrevistados com "Ensino Médio – completo ou incompleto e 54,8% daqueles que têm "Grau Superior/Pós-Graduação – completo ou incompleto", também não percebem essa relação. O professor Claudio Felisoni de Angelo, um dos coordenadores do trabalho, destaca que quanto maior o grau de instrução, menos as pessoas percebem a estreita relação entre esses universos da contravenção. "É o reflexo de um dos maiores problemas do Brasil: considerar esse crime tolerável, pois faz bem para o bolso", explica.
A professora Patrícia Vance, que também coordenou os trabalhos, chama a atenção para a necessidade de esclarecimento da população. "A pesquisa sinalizou claramente que, para a maioria dos consumidores, o preço é um atributo mais importante que a ética. É preciso mudar essa realidade, principalmente mostrar a relação direta entre pirataria e crime organizado", acrescenta. A pesquisadora aposta em campanhas de esclarecimento, como a realizada pelo Sindireceita, que há mais de um ano lançou a campanha "Pirata: tô fora. Só uso original". Em sua avaliação, essas iniciativas precisam ser mais difundidas para que haja no País uma mudança de postura do consumidor. "É preciso relacionar o produto pirata com o crime organizado, mas também temos de mostrar que essa prática tira o emprego formal, diminui a arrecadação de impostos e gera a concorrência desleal, que prejudica as empresas formais", acrescenta. A pesquisadora também cobra uma ação mais efeitva dos órgãos de repressão e da própria justiça. "Não basta apenas trabalhar o lado do consumidor, é preciso coibir a venda nas ruas e, principalmente, punir os principais responsáveis. A justiça tem de agir de forma efetiva", acrescenta.
Estudo"A pesquisa sinalizou claramente que, para a maioria dos consumidores, o preço é um atributo mais importante que a ética. É preciso mudar essa realidade, principalmente mostrar a relação direta entre pirataria e crime organizado", conclui a professora Patrícia Vance.
O estudo "Consumo Ético e Consciente" identificou os motivos que levam os brasileiros às compras de produtos falsificados. Com base em uma amostra levantada em São Paulo, o estudo traçou o perfil de consumo dos indivíduos que compram e dos que não compram produtos piratas. Os formulários possuíam trinta e nove questões do tipo: o senhor costuma fazer compras no comércio alternativo (camelô, paralelo, pirata)? Quanto gasta? Que produto adquire? Quais os motivos que o levam a comprar? Todas essas indagações são apresentadas de forma agregada e também separadas por segmentos, segundo o sexo, a faixa etária, o estado civil e o nível de renda.
"Os dados do estudo permitem que se analise o quadro da informalidade trazendo importantes subsídios às políticas públicas e privadas", diz a coordenadora do estudo que foi realizado pelo Programa de Administração do Varejo (PROVAR), da Fundação Instituto de Administração – FIA, maior centro brasileiro de estudos sobre o mercado de consumo, em parceria com a Canal Varejo – Consultoria: Mercado de Bens e Serviços.
Resultados
De acordo com a pesquisa, 35,2% dos entrevistados sempre fazem compras de produtos do comércio alternativo, enquanto 55,4% do total dos entrevistados, compraram recentemente algum produto "pirata". "Esses resultados revelam que, embora o consumo responsável seja visto como um ato de escolha e de cidadania e a cada dia os consumidores estejam mais atentos às atitudes das empresas, o mesmo critério não é referência quando o consumidor se vê diante de seu próprio ato de comprar", afirma o professor Cláudio Felisoni de Angelo, coordenador-geral do Provar/FIA. Isto é, 91,7% dos entrevistados afirmam que o preço é a principal motivação. Ou seja, na prática, a ética no consumo é deixada de lado em lugar da vantagem de pagar menos e levar um produto semelhante, embora sem garantias tanto de qualidade, quanto de procedência.
A pesquisa foi realizada com 500 consumidores da cidade de São Paulo e, além de traçar um perfil geral, também dividiu os resultados por gênero, idade, grau de instrução, faixa de renda e estado civil.
Comparando os produtos mais escolhidos para as compras, os CDs e DVDs estão em primeiro lugar na classificação geral com 67,9%. Quando comparados aos resultados por gênero, os homens indicam pequeno aumento na preferência com 69,4%. Já as mulheres apresentam uma discreta diminuição nessa predileção com 64,6%. Comparados os resultados por faixas etárias, CDs e DVDs também vêm em primeiro lugar, apresentando 77,3% na faixa etária "até 25 anos", 69,7% na faixa etária "dos 26 aos 35 anos", 72,4% na faixa etária "dos 36 a 45 anos". Na faixa etária "mais de 45 anos", com 47,4%, os resultados apresentam significativa queda.
Prejuízos
Entretanto, se, em um primeiro momento, a compra parece vantajosa, dados do Conselho Nacional de Combate à Pirataria revelam o oposto. Estimativas apontam que para cada emprego informal criado (como uma nova barraca de camelôs nas ruas) seis formais são perdidos. Além disso, cerca de dois milhões de vagas de empregos são fechadas (ou deixam de ser abertas) todos os anos por causa da pirataria que é um problema cultura e social no Brasil. "O consumidor, ao adquirir um produto falsificado, não sabe o mal que causa a si próprio e ao desenvolvimento do País. Ao contrário, nossa pesquisa indica que 21,2% dos entrevistados acham que adquirir esses produtos clandestinos traz status. Um verdadeiro contra-senso", alerta o professor.
Para os pesquisadores, mais do que apresentar um panorama atual dessa modalidade clandestina do consumo, os dados apresentados pelo estudo também servem para indicar a necessidade de formar consumidores preocupados não só com a qualidade dos produtos, mas também com os impactos que as atividades econômicas causam ao planeta em que vivemos. "O papel das instituições privadas deve passar a ser visto pelos clientes como decisivo para o desenvolvimento sustentável das nações, principalmente em locais onde o governo regional se mostra ineficaz no tratamento das questões sócioambientais", complementa o coordenador da pesquisa.
Sindireceita amplia ações da campanha "Pirata: tô fora! Só uso Original"
O diretor do Sindireceita e coordenador da campanha "Pirata: tô fora! Só uso Original", Rodrigo Thompson, avalia que os resultados da pesquisa do Provar só reforçam a necessidade de se ampliar ações como as que vêm sendo desenvolvidas pelo Sindireceita. Segundo ele, este ano a entidade entra em uma segunda fase da campanha "Pirata: tô fora! Só uso original", lançada há um ano. Nesse período, o trabalho foi concentrado principalmente na divulgação da iniciativa e na busca de parceiras, o que já vem ocorrendo.
Nessa segunda etapa, a intenção, de acordo com Thompson, é focar principalmente as ações de conscientização de jovens entre 15 e 25 anos. "Nosso objetivo é mostrar para essas pessoas que a pirataria pode afetá-las diretamente. Um estudante de música hoje pode ter sua composição pirateada amanhã. O mesmo ocorre com um profissional que se dedica ao desenvolvimento de um programa de computador", explica. Além dessas relações, Rodrigo Thompson lembra que é preciso deixar evidente para todo cidadão que a pirataria não é um crime de menor potencial. "A pirataria comprovadamente tem relação com outras práticas criminosas, como o contrabando e o financiamento de quadrilhas de tráfico de drogas e armas. Além desse aspecto criminal, existe ainda a concorrência desleal, a sonegação de impostos e, por consequência o financimento do Estado e a própria geração de empregos", acrescentou.
Rodrigo Thompson considera positiva a realização de pesquisas, como a do Provar, que servem também para subsidiar ações de governo. "A pesquisa deixa claro que, no caso da pirataria, não basta apenas reprimir, é preciso também esclarecer a populção quanto aos riscos relacionados à compra de um produto pirata", finaliza. $
O diretor do Sindireceita e coordenador da campanha "Pirata: tô fora! Só uso Original", Rodrigo Thompson |