Administrador pública: a reforma esquecida
José Matias Pereira
Inúmeros são os desafios que o governo Lula terá de superar nos próximos quatro anos, para realizar os seus objetivos nas áreas econômica, política e social. Espera-se que o governante possa cumprir adequadamente o seu plano de Governo. Realizar essas ações governamentais, entretanto, não é uma tarefa fácil. Fazer cortes e reduzir despesas na máquina pública, promover a desburo-cratização, gerar estímulos para a inovação tecnológica ou promover a articulação entre o programa Bolsa Família e os demais programas sociais do governo, por exemplo, não se concretizam pela vontade do governante. Isso exige competência da administração pública.
Espera-se que o governo consiga ir além do que alcançou no primeiro mandato. Para que isso se torne possível, exige-se boa governança e ética na administração pública. A percepção da população, mensurada nas pesquisas de opinião pública, indica que a administração pública brasileira não se encontra preparada para responder às demandas da sociedade. Pode-se argumentar, assim, que o governo Lula, neste início de governo, encontra-se num dilema, diante de suas próprias contradições e ineficiências, reveladas no seu primeiro mandato.
Os governantes, para atender adequadamente às demandas da sociedade, necessitam de contar com uma administração pública profissional, especialmente quando se trata de respaldar decisões que envolvem questões técnicas complexas nas diferentes áreas estratégicas para o País. As evidências de que isso não ocorreu no primeiro mandato estão registradas nos baixos resultados econômicos, políticos e éticos alcançados. Por sua vez, proliferou-se nesse período uma intensa politização da administração pública brasileira, sem levar em conta o critério da competência técnica, que refletiu negativamente no desempenho governamental.
Verifica-se que é no campo operacional que reside a grande dificuldade do segundo governo Lula, pois a administração, para obter sucesso em suas políticas públicas, depende da competência de seus servidores. Isso ficou evidenciado com a decisão do Governo, no primeiro mandato, de nomear seletivamente os dirigentes sindicalistas e os membros do Partido dos Trabalhadores para ocupar uma parcela significativa dos cargos de direção na máquina pública do Estado – com 34 ministérios, 189 órgãos da administração indireta, 11 agências e 11 bancos, e 1,8 milhão de servidores civis e militares –, sem levar em consideração a capacidade técnica.
Programas e projetos com deficiências de "gestão" tendem a dificultar o alcance dos objetivos das políticas públicas, além de propiciar a geração de corrupção. A decisão do governante de promover um "choque de gestão" deve ter como propósito elevar a qualidade dos serviços públicos. Nesse sentido, irá exigir ações efetivas, diante da complexidade e extensão de ações que serão necessárias para atender às promessas de campanha. Por outro lado, a possibilidade de resposta da administração pública não se revela promissora, na medida em que o Governo, no esforço de construir a sua base de apoio político, sinaliza a disposição de oferecer ministérios e órgãos estratégicos de "porteira fechada" para os partidos aliados.
Torna-se mais nítido, diante desse cenário, que a busca por um Estado moderno e inteligente, menos burocrático e que incentive a competitividade passa pela reforma e modernização da administração pública. A modernização da gestão pública, entretanto, é uma tarefa permanente, que perpassa vários governos. Assim, torna-se possível sustentar que a "reforma esquecida" da administração pública necessita ser incluída na agenda política das reformas prioritárias do País. Sem a modernização da administração pública, os esforços para viabilizar a implementação das políticas econômicas e das políticas públicas, especialmente as sociais, ficam comprometidos. $
José Matias Pereira é doutor em Ciência Política e professor de Administração Pública Comparada do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília (UnB).