Lei Orgânica do Fisco: Origens, Conceitos e Objetivos
A Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, que criou a Receita Federal do Brasil, no seu artigo 50, prevê o encaminhamento ao Congresso Nacional, no prazo de um ano da data da sua publicação, de Lei Orgânica das Auditorias Federais, dispondo sobre direitos, deveres, garantias e prerrogativas dos servidores integrantes das Carreiras de que trata a Lei nº 10.593, de 2002. A perspectiva quanto ao envio, pelo Poder Executivo, de projeto de lei tratando dessa matéria tem fomentado discussões, entre as categorias funcionais, e suas respectivas entidades representativas, sobre o seu conteúdo e respectivos efeitos. Por isso, cabe apresentarmos inicialmente alguns conceitos e idéias gerais sobre o assunto.
Uma lei orgânica tem como objetivo principal estruturar o seu objeto, definindo e disciplinando os elementos basilares que o compõem. No Brasil, quando tratamos desse tema, somos remetidos às leis que regulamentam dispositivos da Constituição Federal referentes a funções do Estado e às carreiras públicas, como é o caso da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, da Lei Orgânica do Ministério Público e da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União. Em quase todos os casos, a Constituição demanda lei complementar para tratar da matéria.
Os órgãos e carreiras alvos de leis orgânicas passam a gozar de mais estabilidade na sua estrutura, que não pode mais ser alterada por um simples ato normativo editado por um determinado governo, além de dispor de autonomia, direitos, deveres, prerrogativas e garantias, o que envolve, por exemplo, um regime jurídico diferenciado para os seus servidores. Obviamente que, no caso de organização por lei complementar, a referida estabilidade é ainda maior, pois nem lei ordinária pode alterá-la.
Para as administrações tributárias, apesar de julgarmos que melhor seria a existência de lei complementar tratando dos elementos mais importantes da sua organização, a Constituição não prevê norma dessa espécie ao dispor sobre essa matéria, o que nos leva a descartar a hipótese. No entanto, embora a Carta Magna não demande, tampouco, de forma expressa, uma lei ordinária que disponha sobre sua organização, ela trata das administrações tributárias em alguns dispositivos, concedendo-lhes distinções e prerrogativas que outros setores da administração pública não possuem, como o status de atividade essencial ao funcionamento do Estado, prioridade de recursos, precedência sobre demais setores, etc. Cabe transcrever aqui esses dispositivos:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
.XVIII - a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei;
.XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)"
"Art. 167. São vedados:
.IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)"
Para produzir efeitos, esses dispositivos carecem de regulamentação por lei ordinária. Daí a conveniência e oportunidade de criação de uma lei orgânica que discipline em um único texto todos esses dispositivos constitucionais. Sem previsão constitucional de lei que trate da matéria em nível nacional, impõe-se a existência de uma lei orgânica por ente federativo. Em nível federal, o art. 50 da Lei nº 11.457/2007 veio apenas reforçar a idéia da criação de uma lei orgânica para a administração tributária federal com o estabelecimento de prazo para o seu envio ao Legislativo. Embora intitulada "Lei Orgânica das Auditorias Federais", ela certamente disporá também sobre a estrutura da Administração Tributária da União.
O conceito e o papel desempenhado pela administração tributária federal dentro do Estado provavelmente será o tema do primeiro artigo da lei. A sua composição, e as competências de cada órgão, também deverão ser abordadas. Um ponto relevante a ser esclarecido nessa oportunidade é a definição quanto ao caráter de administração tributária da fiscalização do trabalho. A Secretaria da Receita Federal do Brasil, como órgão mais importante da administração tributária federal, certamente terá diversos aspectos relativos à sua organização e funcionamento disciplinados por essa lei.
Serão também definidos os cargos e carreiras que compõem a administração tributária federal, e estabelecidos requisitos e critérios para ingresso, progressão, promoção, remoção, férias, licenças, além de garantias, prerrogativas, deveres e proibições aos seus integrantes. Esses cargos e carreiras terão, com essa lei, tratamento específico, o que poderá envolver ônus e bônus aos seus integrantes.
Cabe a nós, Analistas-Tributários, em primeiro lugar, reivindicar a confecção de uma autêntica Lei Orgânica, que abranja no seu corpo todos os elementos fundamentais que estruturam a carreira Auditoria da Receita Federal do Brasil, incluindo suas atribuições, estrutura de classes e padrões e forma de remuneração adotada. Com isso, teremos a oportunidade de discutir esses assuntos e buscaremos corrigir os erros e injustiças que prejudicam não só a nossa categoria, mas também o rendimento da Instituição.
Lutaremos para que assuntos pertinentes não acabem sendo evitados, ou que sejam adotadas soluções paliativas, por razões meramente políticas. Não admitiremos a perpetuação e muito menos o agravamento do status quo atual, que impõe artificialmente um sistema de hierarquia rígida entre os cargos e que discrimina os Analistas-Tributários, negando a realidade do Órgão. A tentativa de agravamento poderá vir por meio de desarrazoada concessão de prerrogativas, que devem ser da Carreira, ao cargo de Auditor Fiscal, o que não aceitaremos em hipótese alguma.
Fiquemos atentos, pois as mesmas forças que foram responsáveis pelo descabido elenco de atribuições privativas de auditores fiscais, podem agora tentar impor um absurdo rol de garantias e prerrogativas específicas desse cargo. Ressaltamos que não somos e nem seremos contrários à valorização dos auditores fiscais. Seremos sempre contrários à desvalorização dos Analistas-Tributários.
Na discussão da Lei Orgânica, teremos também a oportunidade de reivindicar outras medidas, como a instituição de diferencial remuneratório para atividades de risco ou insalubres, alteração do valor das diárias, atribuição de poder de polícia no desempenho de algumas atividades, isenção de taxas relativas ao porte de arma, paridade entre ativos e inativos, etc.
A remuneração do nosso cargo, mesmo que não venha a ser tratada pela Lei Orgânica, deve ser concomitantemente debatida com o Governo. As atribuições, as prerrogativas, os deveres e as proibições relativas ao nosso cargo têm íntima relação com a forma e com os valores remuneratórios a serem adotados. A via da remuneração por meio do subsídio poderá ser colocada em pauta novamente.
Pretendemos, a partir de junho, iniciar um processo de ampla discussão com a categoria sobre esse tema visando a elaboração de uma proposta que represente os seus anseios, através da realização de plenárias locais e seminários regionais. O tratamento dado aos Analistas-Tributários nessa lei orgânica definirá o espaço e a posição da categoria na Receita Federal do Brasil, e, com isso, o seu status e nível de importância. Portanto, é hora de mobilização, pois o futuro dos Analistas-Tributários estará em jogo. $