Ministro da AGU destaca ampliação do órgão
Há cinco meses à frente da AGU, Toffoli quer consolidar o papel da Instituição e a defesa do patrimônio público
Erros nos cálculos de uma indenização por pouco não geraram aos cofres públicos um prejuízo de R$ 180 milhões. O pagamento só não foi feito porque a Secretaria-Geral de Contencioso (SGCT) da Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu, no Supremo Tribunal Federal (STF), suspender o pagamento. Ações como essa fazem parte da rotina dos 1.538 profissionais que atuam na AGU, órgão que foi criado em 1993 para defender judicialmente o interesse público. De acordo com um levantamento do Órgão, 800 advogados da União atuam em dois milhões e meio de ações distribuídas em 71 unidades da Procuradoria-Geral da União (PGU). Atualmente, existem 1.980 ações civis públicas e de improbidade administrativa, que somam R$ 1,860 bilhão. Somente em ações de execução de acórdãos do Tribunal de Contas da União (TCU) são outras 6.259 ações em andamento, que correspondem a R$ 4.515 bilhões. Outro levantamento realizado pela Procuradoria-Geral da União mostra que, só em 2006, nas ações de competência das Procuradorias da União que transitaram em julgado, ou seja, nas que não cabem mais recursos, foram economizados mais de R$ 7 bilhões aos cofres públicos.
Os números acima deixam clara a importância da defesa realizada pelos advogados públicos que integram a estrutura da AGU, instituição responsável pela defesa e consultoria jurídica dos órgãos do Poder Executivo. Um trabalho realizado em várias frentes e que impede a saída de bilhões de reais os cofres da União.
O advogado-geral da União, ministro José Antônio Dias Toffoli, destaca que esse trabalho reflete diretamente na vida de cada cidadão brasileiro. Para Toffoli, que está há cinco meses à frente da AGU, o cliente final da Instituição é o cidadão brasileiro. “Ao defender os interesses do Estado Brasileiro, a Advocacia-Geral da União atua em defesa do cidadão. Nós exercemos uma atividade meio para o Estado que tem como atividade fim o bem comum. O nosso grande cliente é o cidadão brasileiro, que contribui com seus impostos para pagar nossos salários”, disse. O ministro lembra que o órgão tem apenas 14 anos. A criação da AGU está prevista no texto original da Constituição Federal de 1988, mas só foi criada em 1993 com a Lei Complementar nº 73. Apesar do pouco tempo, a AGU já provou sua importância ao País. Nesta entrevista, o ministro fala do trabalho e das perspectivas quanto à atuação da AGU.
TRIBUTU$ - Qual o balanço que o senhor faz desses cinco meses à frente da AGU?
Toffoli - Completamos, em 12 de agosto, cinco meses à frente da Advocacia Geral da União (AGU). Nesse período, estabelecemos quais são os nossos projetos e propósitos, que culminaram com a realização de um seminário sobre o futuro da Advocacia-Geral da União. A AGU é um importante órgão que tem duas funções principais: a primeira é a de fazer o contencioso, ou seja, as disputas processuais que a União, suas autarquias e fundações têm no Poder Judiciário. A AGU defende a União como um todo e, por isso, a AGU não é um órgão do governo. Atua na assessoria, na parte consultiva da União, o segundo aspecto essencial de sua atuação, da consultoria preventiva para a União, fundações e autarquias.
TRIBUTU$ - E como se desenvolve o trabalho da AGU?
Toffoli - Temos muito trabalho e, para atender toda a demanda, a AGU é formada por três carreiras de servidores: de Advogados da União, que atuam no contencioso e no consultivo da administração direta; de Procuradores Federais, que atuam no contencioso e consultivo das autarquias e fundações e a de Procuradores da Fazenda Nacional, que atuam na execução da dívida ativa, que, aliás, tem o nome curioso de dívida ativa, mas, na verdade, são créditos que o Estado tem a receber.
TRIBUTU$ - Existem disputas entre órgãos do próprio governo? Como interferir nessas situações?
Toffoli - Existem disputas, e esses são casos em que a AGU está trabalhando para propor conciliação e arbitramento. Hoje, a lei já prevê que a AGU é o órgão da União que deve dirimir as controvérsias jurídicas que existam entre órgãos da administração, seja da administração direta entre ministérios, seja indireta entre autarquias e fundações, seja até entre ministérios, autarquias e fundações.
Um levantamento revelou que existem mais de 100 processos judiciais no STF, em que há litígio entre órgãos da administração pública federal. É uma esquizofrenia em que temos autarquia contra autarquia, que, ao invés de resolverem suas disputas internamente levaram-nas ao Poder Judiciário, que vai solucionar isso dentro de seu tempo próprio, ou seja, demorará a dar uma resposta. A gestão da coisa pública, no que diz respeito à ação administrativa, tem que ser rápida e imediata. O cidadão quer o Estado atuando.
Por isso, estamos com mais de 60 câmaras de conciliação na AGU, justamente para fazer esse arbitramento. Agora, estamos descentralizando esse trabalho para os núcleos de assessoramento jurídico nos estados, para que também, nas divergências eventualmente existentes nos órgãos públicos federais a AGU arbitre de forma descentralizada. Essas medidas economizam dinheiro, desafogam o Judiciário e diminuem a litigiosidade. Estamos trabalhando a idéia de que se deve se mudar a cultura de conflito no Brasil. Temos de atuar no sentido de resolver os conflitos de maneira mais inteligente. Não que o Poder Judiciário não deva ser procurado, mas isso não deve ser considerado regra.
"A gestão da coisa pública, no que diz respeito à ação administrativa, tem que ser rápida e imediata. O cidadão quer o Estado atuando." |
Toffoli - Por exemplo, se um carro a serviço do poder público federal bate em um veículo de um particular, esse cidadão vai à Justiça, porque ele não pode ir ao Judiciário apresentar sua despesa e receber os recursos. Para casos como esses, estamos estudando um projeto de lei sobre a responsabilidade do Estado. Hoje, não existe uma lei que estabeleça as regras e os parâmetros para que o Estado assuma de imediato suas responsabilidades. Com isso, o cidadão sempre terá de procurar a Justiça.
TRIBUTU$ - Um bom exemplo não seriam os constantes conflitos entre o Ministério dos Transportes, que quer construir uma estrada, mas tem do outro lado o Ibama?
Toffoli - Houve um caso recente desse tipo de conflito envolvendo o projeto da BR 163, que liga Santarém/PA a Cuiabá/MT. Hoje, a estrada está asfaltada de Cuiabá até a fronteira do Pará e está previsto o fim do asfaltamento, inclusive no PAC. Nesse trecho, o Ibama considerou ser uma obra nova, o que atendia os requisitos de licenciamento ambiental e o DNIT apontava ser uma reforma e que seria apenas a colocação da capa de asfalto, porque a estrada já existia e já havia fluxo de veículos. Isso gerou um entrave que foi parar na Câmara da AGU. Houve uma negociação e chegou-se a um consenso que permitiu a assinatura de um acordo estabelecendo os limites e as exigências jurídicas que o Ibama poderia fazer para a obra. O Dnit concordou e irá implementá-lo. Com isso, a AGU ajudou a destravar a execução de uma importante obra.
TRIBUTU$ - Por que a AGU decidiu ter um escritório avançado dentro do Tribunal de Contas da União (TCU)?
Toffoli - Ao somar a quantia de recursos que a União executa, temos algo em torno de R$ 20 bilhões sendo executados no Poder Judiciário. Só esse aspecto já justifica essa aproximação. Mas, também existe dificuldade de localizar bens de agentes improbos. Temos um rito processual longo. Da investigação interna, no Executivo, passa pela decisão do TCU e até a AGU entrar com ação, muito tempo é gasto, muitas vezes as pessoas se desfazem dos bens, o que também acarreta impunidade. Apesar da quantia alta em execução, ainda não temos o aparelhamento necessário para conseguir esses recursos de volta.
A nossa idéia, com o escritório avançado e com a parceira que temos com o TCU, é a de que o advogado da União ficará à disposição do ministro do TCU, ou seja, menos burocracia. Por exemplo, o ministro do TCU pede a quebra de um sigilo telefônico, fiscal ou de um cartório para saber se determinada pessoa tem patrimônio, ou solicita o arresto de bens para garantir uma futura devolução de patrimônio em razão de desvio de recursos públicos. Nesses casos, essa proximidade permite que o advogada da União tome medidas, para que, uma vez condenada, a pessoa não possa ser desfazer do patrimônio e o erário, será ressarcido. Assim, também evitamos a troca de ofícios e de expedientes burocráticos que demoram e não atendem a necessidade do TCU.
TRIBUTU$ - A AGU realizou recentemente um seminário para debater o futuro do Órgão. Quais foram as conclusões desse debate?
Toffoli - A AGU tem 14 anos. O Órgão está previsto no texto original da Constituição de 1988, mas foi criado e implementado pela Lei Complementar nº 73 de 1993. Essa atuação, em relação a uma série de atos como a criação da Ouvidoria, é exatamente para mostrar que a AGU é um Órgão de Estado e não de governo. A AGU está aqui para atender o cidadão e não para ser adversário. Muitas vezes, o Estado é visto como adversário, e o advogado público é visto como aquele que defende, a todo custo, o Estado contra o cidadão. Esse seminário teve justamente esse objetivo, mostrar a nova advocacia que queremos, aberta à sociedade e exercendo uma função enorme. Nesse sentido, foi muito positivo e ficou muita clara a função do advogado público, ele é fundamental para o exercício da cidadania. O advogado público não defende o governo A ou B, pois os governos passam, mas o advogado público permanece. O procurador da Fazenda Nacional cobra aqueles recursos que o sonegador deixou de recolher independentemente de quem seja, ou do governo, essa é a função dele. O Estado não existe como fim, mas como meio para ser o mediador dos conflitos da sociedade e para ser aquele que vai construir o bem comum e atender o cidadão individualmente. Então, o Estado existe para defender o cidadão em sua individualidade e para, em conjunto, formarem uma grande nação.
"Todos nós, servidores públicos, torcemos para que os maus gestores sejam condenados rapidamente. Não deve haver corporativismo para defender um mau gestor." |
TRIBUTU$ - Gostaria que o senhor também falasse um pouco sobre outras parceiras, como a que existe com a Controladoria Geral da União (CGU).
Toffoli - Da mesma forma como ocorre no TCU, ocorre na CGU. Quando há uma sindicância e se descobre desvio de um convênio, é necessário que se tomem medidas legais imediatas para poder proteger o patrimônio, porque o processo começa, mas demora até ser concluído, e a pessoa que mal versou o patrimônio público não pode se desfazer daquele patrimônio. É esse patrimônio que vai garantir a devolução dos bens que foram dilapidados. Então, não adianta o Estado ter apenas um braço para a investigação, deve usar os meios judiciais da AGU. Assim, defendemos os impostos pagos pelos cidadãos para o Estado gerir bens, mas, infelizmente, existem maus gestores. O que fazer com essas pessoas? Puni-las de forma rápida. Todos nós, servidores públicos, torcemos para que os maus gestores sejam condenados rapidamente. Não deve haver corporativismo para defender mau gestor.
TRIBUTU$ - Qual a visão da AGU sobre a regulamentação do direito de greve dos servidores?
Toffoli - Em primeiro lugar, temos de ter em conta que a Constituição distinguiu, no meu entender, o direito de greve do setor privado e do setor público, tanto é que há um dispositivo para o setor privado e outro para o setor público, não poderia ser diferente. No que diz respeito ao setor privado, existe uma lei que regulamenta seus limites e condições. No serviço público, a greve também é permitida pela Constituição, mas ela deixa bem claro que a lei tem a função de estabelecer seus limites. Por que isso? Porque a greve no serviço privado atinge o patrão, mas no setor público atinge o cidadão. Não é barrar o direito de greve, previsto na Constituição, mas regulamentar. Deve haver limite, o serviço público não pode parar nunca. É diferente do setor privado, em que o penalizado, na maioria das vezes, é o patrão. No serviço público é diferente, o Estado não pode fechar, é preciso haver pré-condições; os servidores têm de apresentar uma pauta, têm de haver uma discussão interna; quorum mínimo de participação dos servidores, que represente um desejo da categoria. Entendemos que essas limitações são importantes e, se a greve for considerada ilegal ou abusiva, os dias não trabalhados devem ser descontados. Caso haja legalidade da greve, também é preciso se estabelecer a maneira pela qual as horas não trabalhadas serão repostas.
Todos esses pontos estão regulados no anteprojeto. Já encaminhamos à Casa Civil para análise dos demais órgãos do governo, e a Casa Civil está ouvindo outros ministérios que interagem como o tema, como Planejamento e Trabalho. Ninguém está contra o direito de greve, mas deve-se estabelecer regras.
TRIBUTU$ - A AGU também está discutindo a elaboração de uma proposta de Lei Orgânica para seus servidores. Como está esse processo?
Toffoli - Chegamos a um momento em que a Lei Complementar, que criou a AGU em 1993, não reflete mais as necessidades do órgão. Existe uma série de alterações que precisam ser feitas e precisamos definir as prerrogativas do advogado público. Não há nenhuma lei para proteger a atividade do advogado público. É fundamental que ele tenha suas prerrogativas, porque essa é uma função essencial para o Estado.
O Poder Judiciário tem suas prerrogativas, o Ministério Público tem suas prerrogativas, o defensor público tem suas prerrogativas, mas o advogado público não tem essas definições. Então, é necessária essa proteção, e a lei deve estabelecer esses critérios.
TRIBUTU$ - Como se dá a representação da AGU internacionalmente?
Toffoli - Atualmente, a AGU, dentro da Procuradoria Geral da União, tem um departamento internacional que já acompanha os casos em que a União é ré no Tribunal Interamericano de Direitos Humanos. Assim, a contratação de advogados no exterior é necessária para que a União ou mesmo os municípios sejam representados em seus interesses.
Nossa função é sempre a de assessorar e defender judicialmente. Não queremos substituir as políticas públicas.