Longa-metragem chega primeiro ao camelô
Tropa de Elite consumiu R$ 10,5 milhões e quase teve lançamento frustrado após roubo de cópia
O longa-metragem Tropa de Elite só deveria ser assistido após o dia 12 de outubro, quando estava previsto o lançamento nacional, durante a abertura do Festival do Rio de Janeiro. Mas, a produção, uma das mais caras já realizadas no País e que teve um orçamento estimado em R$ 10,5 milhões, acabou pirateada. Esse seria mais um registro de pirataria no Brasil não fosse a forma como foram feitas as cópias ilegais. Pela primeira vez , uma produção nacional foi pirateada antes mesmo de ser distribuída para as salas de exibição. Uma das cópias que havia sido enviada para finalização foi roubada por criminosos que rapidamente espalharam cópias ilegais por todo o País. Trechos do filme também passaram a ser postados e assistidos no site YouTube.
Esse caso também chama a atenção pela reação das autoridades. Após a descoberta das primeiras cópias ilegais, foi instaurado um inquérito na Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPI), em São Cristóvão, no Rio Janeiro. Várias pessoas suspeitas que trabalharam na produção do filme foram ouvidas e o inquérito ainda está em andamento. A Agência Nacional do Cinema (Ancine) também solicitou ao Ministério da Justiça que a Polícia Federal entre no caso. Além de ouvir suspeitos, cópias ilegais do filme estão sendo apreendidas no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Brasília e em outras capitais como Belo Horizonte (MG) e Salvador (BA).
No Brasil, segundo dados da Motion Pictures Association (MPA), que reúne os principais estúdios cinematográficos do mundo, a pirataria afeta 59% do mercado brasileiro, ou seja, de cada dez DVDs vendidos, quase seis são ilegais. O prejuízo chega a US$ 198 milhões por ano.
O diretor do filme, José Padilha também reagiu. Em artigo publicado em vários jornais do Brasil, Padilha criticou a fragilidade no combate à pirataria no País. "A pirataria, termo popularmente usado para o roubo da propriedade intelectual alheia, vai de vento em popa no Brasil. Sei disso porque sou o diretor do filme "Tropa de elite", o mais novo "hit" desse mercado ilegal. Todavia, qualquer um pode comprovar esse fato. Para isso, basta uma caminhada pela Rua Uruguaiana, no Centro do Rio, ou pela Vinte e Cinco de Março em São Paulo. Nesses e em outros "pontos de venda", você encontrará, além do meu filme, softwares e discos dos mais variados tipos, ofertados a preço de banana, e verá que tudo isso - é claro - passa-se nas barbas das autoridades policiais.".
Nesta entrevista, o diretor de Tropa de Elite destaca que não há como prever os prejuízos gerados pela pirataria e fala sobre as perspectivas para o lançamento do filme e das mudanças que o episódio pode trazer para o mercado cinematográfico nacional.
TRIBUTU$ - Esta foi a primeira vez que uma cópia integral de um filme nacional chegou ao público antes de estrear oficialmente. Na sua avaliação, o que motivou esse interesse?
"Eu acho que a pirataria está tão disseminada no Brasil que é muito difícil resolver o problema sem um posicionamento firme das autoridades a esse respeito." |
TRIBUTU$ - Após a descoberta da pirataria, o que foi feito para tentar descobrir os autores do crime? Vocês acreditam que, após esse episódio, as empresas brasileiras terão de mudar sua forma de atuação para tentar impedir novos casos de pirataria?
José Padilha - A investigação da DRCPI foi exemplar. Só posso agradecer à equipe pela velocidade com que identificaram os piratas. Com relação à segurança, acho que o ocorrido é um alerta para as produtoras: eles devem checar exaustivamente a segurança dos prestadores de serviço, especialmente dos que trabalham com cortes inteiros do filme, mas isso não vai acabar com a pirataria. Esse crime ocorre também depois da estréia e aí é muito dificil impedi-lo. Na minha opinião, a pirataria só vai diminuir se as autoridades realmente decidirem atacá-la.
TRIBUTU$ - É possível estimar os prejuízos que a produção teve e terá com a divulgação da cópia pirata, inclusive no site YouTube?
José Padilha - Não sei avaliar o prejuízo para o filme nas bilheterias. Sei que será muito grande, pois constato que pessoas de todas as classes sociais já viram a versão pirata. Em relação ao interesse que o filme suscita, uma possibilidade é a de que ele se deva ao fato de o filme abordar um assunto ao qual a população dá muita importância, mas as autoridades não se envolvem.
TRIBUTU$ - Vocês acompanharam a repercussão do público com a divulgação do filme pirata?
José Padilha - Um dos modelos usados na formulação de teorias sociais é a teoria dos jogos. A idéia por trás da sua aplicação é a seguinte: as interações sociais se dão consoante regras e os agentes sociais fazem as suas escolhas no contexto dessas regras. Assim, o filme pretende mostrar que as regras do jogo social em que vivemos resultam em uma guerra sem fim. A criminalização das drogas e a má remuneração da polícia resultam inexoravelmente em mortes e perdas elevadas. Montamos um filme com a intenção de chamar atenção para esse fato de maneira compreensível, e o debate meta-lingüístico do You Tube parece indicar que isso está acontecendo.
TRIBUTU$ - A versão que chegou às ruas é a versão final do filme? Essa exposição ilegal prejudicou a conclusão do trabalho?
José Padilha - Na verdade, as pessoas que viram a cópia pirata viram uma obra inacabada. É como se tivessem lido o rascunho de um livro. A avaliação que tenho, inclusive dos comentários que fazem sem saber que dirigi o filme, é que o tal rascunho funciona... Só me resta esperar que seja suficientemente bom para que as pessoas queiram ver o filme pronto. Na minha opinião, o filme pronto é muito melhor do que o rascunho.
TRIBUTU$ - É possível contabilizar os prejuízos provocados pela pirataria do filme?
José Padilha - Não sei como avaliar isso. Sei apenas que devemos ter perdido bastante público dado o sucesso da versão pirata do filme.
TRIBUTU$ - Com a identificação dos culpados e descoberta do foco do problema, você consegue visualizar alguma medida para evitar fraudes desse tipo?
José Padilha - Eu acho que a pirataria está tão disseminada no Brasil que é muito difícil resolver o problema sem um posicionamento firme das autoridades a esse respeito.
TRIBUTU$ - Além das cópias vendidas nas ruas, o site YouTube também tem versões, com capítulos da obra. O que foi feito para evitar essa divulgação?
José Padilha - Na verdade, eu sou o diretor do filme. As medidas relativas à sua distribuição estão sendo tomadas pelas empresas que estão tendo os seus direitos exclusivos de distribuição violados. No caso, a Universal Pictures.
TRIBUTU$ - Além de medidas repressivas, seria preciso adotar outras para que as pessoas que hoje compram um DVD pirata pudessem comprar um produto original?
José Padilha - Acho que o público do DVD pirata é, em sua maioria, de classes sociais menos favorecidas. Não acho que isso justifique a pirataria, mas uma política de preços populares para DVD.