O iPad e a reforma tributária possível

Isto É Dinheiro - 30/05/2011
Artigo- Denize Bacoccina 

Os bons resultados da Receita Federal nos primeiros quatro meses do ano apontam para novo recorde na arrecadação de impostos neste ano, com provável aumento da carga tributária. Enquanto os cofres da Receita ficam cada vez mais gordos, o Ministério da Fazenda voltou a se dedicar à desejada reforma tributária. Uma reforma ampla, que altere a estrutura tributária e torne o Brasil de fato mais competitivo é difícil, como mostra o engavetamento da proposta elaborada pela Câmara dos Deputados no segundo mandato do ex-presidente Lula. 

Por isso, o governo optou por uma reforma fatiada: focar na folha de pagamento, depois tentar um acordo com os Estados para a uniformização do ICMS e só por último pensar em mudar a estrutura tributária. Mas uma decisão publicada na semana passada mostra que o Executivo tem mais poder sobre o assunto do que gostaria de admitir. A redução dos impostos dos tablets, que deixam de ser considerados artigos de luxo para retornar à sua condição de eletrônicos, é uma prova de que é possível baixar o preço dos produtos brasileiros. 

A mesma caneta que vinha sendo usada para aumentar impostos pode servir para reduzi-los. Quando passar a ser produzido no Brasil, nos próximos meses, o iPad brasileiro pode deixar de ser o mais caro do mundo - hoje custa 80% mais do que o vendido nos EUA - para se enquadrar nos preços internacionais. O resultado da redução de preço, todos sabem, é o aumento das vendas, dos empregos e da arrecadação de impostos. O bom exemplo dos tablets poderia se estender a outros produtos - a fila começou com os smartphones, que também terão alívio tributário no Brasil. 

Mesmo com todas as desonerações dos últimos anos na cesta básica, a taxação sobre alimentos ainda é elevada. Há muito espaço para baixar, se o País quiser de fato cuidar da pobreza e reduzir a inflação. No ano passado, os impostos ficaram com um terço de toda a riqueza produzida no País. Este ano, com a arrecadação crescendo mais do que o PIB, a tendência é um aumento na carga. O governo alegará que o valor arrecadado cresceu pela expansão dos negócios e dos empregos, e que cada brasileiro e empresa está pagando menos do que antes. Mas a verdade é que com mais emprego e mais renda há espaço para redução. 

A desoneração total da folha de pagamento é uma antiga demanda do setor produtivo. Mas do jeito que vem sendo pensada pelo governo, com a mudança da base de contribuição das empresas da folha de salários para o faturamento vai causar muita polêmica. O objetivo declarado do governo é aumentar a competitividade da indústria. Para isso, vai onerar outros setores e provocar um descasamento entre quem paga o INSS e quem usa os benefícios. 

Para o trabalhador, não muda nada. Continuam as alíquotas entre 8% e 11% sobre o salário bruto. Mas a discussão que não será feita, porque não está na agenda nem do governo nem das centrais sindicais é a mais importante: é preciso discutir mudanças nas regras que permitem que funcionários públicos se aposentem com salários integrais, com o rombo sendo pago pelo Tesouro, enquanto trabalhadores do setor privado dificilmente chegam aos R$ 3 mil.