Jornal Nacional – 31 de maio de 2011
Série mostra a vulnerabilidade das fronteiras brasileiras, o que explicaria a grande quantidade de armas e drogas contrabandeadas que chegam ao país. Foram 45 dias de viagem e o resultado é preocupante. Veja aqui a primeira reportagem da série.
Nesta segunda-feira (30), começa com a primeira reportagem de uma série sobre as fronteiras brasileiras. Nove anos atrás, em um trabalho semelhante a este, mostramos como essas áreas eram vulneráveis ao contrabando, às armas e às drogas. E como essa fragilidade se ligava diretamente à violência e à insegurança pública. A série que você vai acompanhar nesta semana é resultado de uma viagem de 45 dias dos repórteres César Tralli, Robinson Cerântula e Fernando Ferro. O que eles encontraram é ainda mais preocupante.
Dois carros zero quilômetro e um disfarce quase perfeito: dentro das carrocerias. São máquinas fotográficas, lentes, baterias, equipamentos eletrônicos. É um carro zerinho adaptado para o transporte de muamba. A equipe flagrou também R$ 1 milhão em cigarro paraguaio, contrabandeado de carreta. E até madeira recheada com 900 quilos de cocaína boliviana.
Apreensões todas feitas em estradas, bem depois que contrabandistas e traficantes já tinham passado os carregamentos pelas fronteiras brasileiras. “A estrutura que eles têm é muito grande, então, eles têm batedores, olheiros, sistema de comunicação. E eles usam todas as formas para passar”, explicou o delegado Chang Fan, da Polícia Federal do MS.
E não é nem um pouco difícil entrar no Brasil. O posto da Receita Federal separa o Paraguai de Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul. Quem chega do Paraguai, obrigatoriamente, deveria passar pela fiscalização. Mas existe um atalho, um jeitinho fácil de fugir do controle da Receita Federal.
Às 9h40 a equipe de reportagem começou a percorrer esse trajeto por uma estradinha de terra que fica a 200 metros do posto de fiscalização. Só levou 20 minutos para que o atalho fosse percorrido. É só dar uma volta no posto.
Em apenas 15 quilômetros, são cinco passagens clandestinas, as chamadas cabriteiras. Para piorar, o inspetor-chefe de Mundo Novo disse que, em março, perdeu o reforço de oito funcionários por corte de despesas. “Não há condições de fiscalizar todos os veículos. Então, é uma conta simples: mais servidores, fiscalização mais efetiva”, destacou.
Da fronteira com o Paraguai para a passagem com a Bolívia. Corumbá é uma das mais perigosas portas de entrada de cocaína e muamba. O posto da Receita Federal brasileira está bem na divisa, mas é muito fácil sair da Bolívia e entrar no Brasil sem passar pela fiscalização.
A equipe de reportagem parou em um mercadinho de Porto Quijarro, na Bolívia, e comprou três quilos de açúcar. Dobrando uma esquina, fica o atalho para o Brasil. É uma trilha no mato. E acredite: área do Exército brasileiro. Uma passagem bem curtinha, que não deu 200 metros. Exatamente a 50 metros da fiscalização.
Se fossem três quilos de cocaína, já teriam ingressado em território brasileiro.
É uma aglomeração de sacoleiros e do atalho sai de tudo, dia e noite. O fiscal da Receita no local diz que não pode fazer nada: “Não, aqui eu não posso sair, porque é abandono de posto”, contou.
São apenas 27 postos de fiscalização da Receita Federal para quase 17 mil quilômetros de fronteira que separam 11 estados brasileiros de 10 países.
E de um extremo ao outro por onde a equipe passou, em 45 dias de viagem, uma situação se repetiu: salas vazias, sem ninguém. Mesmo uma sala de vigilância, o prédio estava completamente vazio. Foi o posto de Barra do Quaraí, que separa o Rio grande do Sul do Uruguai.
O segurança só cuida das instalações. De repente, aparece Alfredo Siqueira, fiscal da Receita na região faz dez anos. “Sempre foi precária assim a fiscalização”, disse.
Essa região do Rio Grande Sul é rota de contrabando de agrotóxicos chineses. Do outro lado, o gerente garante entrega em qualquer lugar do país. “Se comprar 100, 200 quilos, vai passando, de 30 quilos, de 40 quilos, dependendo de como está o controle. Isso não é nenhum problema”.
“O perigo é o crime ambiental, o perigo à saúde pública. Não tem nenhuma autorização da Anvisa, nem nada, nem menos do Ministério da Agricultura”, declarou o fiscal da Receita Federal Udilberto Lobo.
O preço da fronteira aberta entre Tabatinga e a vizinha Letícia, na Colômbia, é muitas vezes pago com a própria vida. Um pedaço da Amazônia manchado pela violência dos cartéis de cocaína.
Execuções a tiros, crimes sob encomenda. A maior parte dos assassinatos em Tabatinga é cometida por matadores de aluguel, que raramente são presos pela facilidade que eles têm de fugir para a Colômbia.
A polícia deles, pelo menos, marca presença na avenida que liga as cidades. Do nosso lado, um posto da PM, desativado faz mais de dez anos.
“O crime foi exatamente aqui, nesse local. O rapaz tomou três tiros e morreu na hora. O assassino saiu correndo e fugiu. Foi embora para Colômbia”, lembrou um policial.
O pistoleiro a serviço do tráfico foi identificado e perseguido. O policial estava a apenas três metros do assassino, e não pôde prendê-lo, porque o colombiano já estava pisando na Colômbia. “Fica uma sensação muito ruim. Tem que fazer cumprir a lei, e você não pode fazer isso. Uma sensação de impotência”, contou ele.
A Polícia Federal informou que a fiscalização em Tabatinga nem sempre é feita na fronteira, mas no aeroporto e no porto fluvial da cidade. E que faz operações para prender quem foge da fiscalização pelas estradas vicinais.
O Exército declarou que irá reforçar o patrulhamento para impedir a passagem de pessoas pela trilha em Corumbá.
A Receita Federal afirmou que administra os escassos recursos para atender à demanda que não para de crescer no controle das fronteiras.
Nesta segunda, em Porto Velho, secretários de Segurança da Região Norte se reuniram com integrantes das Forças Armadas para propor melhorias no controle das fronteiras da região.