Postura do BC reforça alta do juro real

Valor Econômico/SP – 10/06/2011

Ao indicar que o aperto da política monetária continuará em vigor, o Banco Central (BC) reforça o movimento de alta na taxa de juro real, que é a que realmente importa na tomada de decisão entre poupança ou consumo.

Depois da alta de quarta-feira da Selic, que foi a 12,25% ao ano, o juro real marca 7,10%, permanecendo em patamares não registrados desde dezembro de 2008.

Essa perspectiva de novas elevações no juro básico foi reforçada pelo comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), que voltou a utilizar a expressão "suficientemente prolongado" quando fala do ajuste das condições monetárias.

E esse aumento do juro real acontece não só pelo avanço da taxa nominal, mas também pela queda nas expectativas de inflação em 12 meses.

Conforme notou o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otavio de Souza Leal, tal postura da autoridade monetária reforça o canal das expectativas, pois o mercado entende o recado de que o ajuste continuará sendo feito via juros.

Fed é o maior credor do Tesouro dos Estados Unidos

Cabe lembrar que agora, em 2011, o juro real chegou a cair mesmo depois de elevações na Selic, justamente em função da piora constante das expectativas de inflação.

Naquele momento, o mercado se mostrava descrente no plano de voo do BC, ou seja, havia uma falha no canal das expectativas. Tal quadro começou a mudar após a reunião de abril, que deixou claro o uso da taxa de juros independentemente das outras ferramentas de política monetária, como as medidas prudenciais.

Durante algum tempo, parte do mercado interpretou que o BC estaria deixando de usar a ferramenta juros e favorecendo as medidas prudenciais.

De volta à reunião de junho, Leal aponta que a comunicação do BC se mostra inteligente, pois, ao mesmo tempo em que segura o juro real em alta, não mostra um comprometimento irrevogável com novas elevações dos juros.

"O BC reforça a posição de convergência via alta de juros e não fecha as portas no caso de alguma mudança radical de cenário", diz o especialista, lembrando que o "suficientemente prolongado" aceita uma série de interpretações.

Apesar de mencionar tal possibilidade de parada no ajuste dos juros, o economista acredita que o BC sobe a taxa em julho e também em agosto. Primeiro, porque a queda da inflação é um fenômeno pontual. E segundo, porque o fim do ano reserva reajustes salariais de categorias relevantes e em 2012 vem uma alta de 14% do salário mínimo.

Segundo Leal, essa queda da inflação que estamos experimentando agora não é por conta de uma retração de consumo. "É cristalino que o que puxou os preços para baixo foram os combustíveis e os alimentos", diz o economista, apontando que esses efeito benéfico perde muito força ou mesmo deixa de existir já em agosto.

Outro sinal de que o alívio é momentâneo é que os núcleos de serviços e o índice de difusão subiram, mesmo com a inflação cheia recuando. "O BC sabe dessa pontualidade e isso não vai fazer ele parar."

A inflação de serviços, que já é um ponto de preocupação, ganha importância nas ponderações tendo em vista esses dissídios do segundo semestre e o aumento da ordem de 14% do mínimo em 2012.

Segundo Leal, o BC precisa criar uma "folga" na atividade para que se possa absorver esses "choques" sem impacto direto na inflação.

O salário mínimo maior em 2012 também representa um desafio na política fiscal, que terá de ser ainda mais austera mais cumprir a meta de superávit primário. O BC conta com isso no seu modelo de convergência da inflação.

Nesse meio tempo entre as reuniões do Copom, muito depende da evolução da cena externa. Se o quadro continuar a piorar, com baixa mais pronunciada da atividade, aliada à queda forte das commodities, a ideia de fim de ciclo ganha força.

Mudando o foco para o mercado externo, uma projeção feita tempos atrás agora é fato: o Federal Reserve (Fed), banco central americano, é o maior credor do Tesouro dos Estados Unidos.

Segundo dados publicados pelo próprio Fed e compilados por economistas americanos, o Fed detém 14% da dívida federal americana. A China aparece em segundo lugar, seguida pelo mercado doméstico e pelo Japão. Os dados são referentes ao fim do primeiro trimestre.

Tal participação da dívida é mais um reflexo dos programas de compra de títulos pelo Fed como forma de estimular a atividade.

Com o fim do "Quantitative Easing 2" agora em junho, essa fatia do Fed na dívida pode subir a 16%.

A pergunta lógica é: quem vai comprar essa montanha de títulos do Fed e a que taxa?

 Eduardo Campos é repórter