Valor Econômico – 13 de junho de 2011
Ao optar pela concessão integral à iniciativa privada de três dos maiores aeroportos do país, o governo federal deu um passo decisivo para começar a resolver um dos problemas crônicos da infraestrutura nacional. O governo planejava, inicialmente, fazer concessões parciais dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, entregando ao setor privado partes de estruturas que continuariam sendo administradas pela estatal Infraero. A estratégia mudou.
Em entrevista ao Valor, o ministro da recém-criada Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, explicou que a opção pela concessão integral foi feita depois de se constatar que a demanda bilionária por investimentos não seria atendida num modelo em que as empresas privadas tivessem papel coadjuvante. O governo analisou a situação dos aeroportos e percebeu que a deficiência estrutural é muito maior do que se imaginava.
Tome-se o exemplo do aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília. Sua capacidade de atendimento anual é de 10 milhões de passageiros. Em 2010, recebeu 14,1 milhões. Cumbica, em Guarulhos, dispõe de capacidade para 20,5 milhões, mas, no ano passado, acolheu 26,7 milhões.
Esse déficit, como bem lembrou o ministro da aviação, não tem paralisado o mercado de passageiros de avião, que segue aquecido, mas cria enorme desconforto para aqueles que usam o transporte aéreo. As ineficiências resultam, por exemplo, do número insuficiente de fingers, pátios de estacionamento de aviões, salas de embarque e desembarque e de balcões de check-in. Se os problemas não forem enfrentados a tempo, novos voos não poderão ser criados e os preços das passagens irão às alturas.
O modelo de concessão ainda está em gestação no BNDES, mas a decisão de Brasília, segundo Wagner Bittencourt, é dar liberdade às futuras concessionárias de aeroportos para fixar tarifas e, inclusive, treinar e empregar seus próprios controladores de tráfego aéreo, atividade administrada hoje pela Aeronáutica. Trata-se, sem dúvida, de um modelo inovador, que rompe com a paralisia do governo anterior, motivada por razões meramente ideológicas.
A Infraero terá seu papel no novo modelo. A estatal poderá deter até 49% do capital das Sociedades de Propósito Específico (SPE) que vão administrar os aeroportos concedidos. Foi a forma encontrada pelo governo para gerar receitas à Infraero e, desse modo, permitir que ela invista nos aeroportos cuja exploração não interesse ao setor privado.
O ministro também informou que, administrados pelo setor privado, os aeroportos passarão a competir entre si. Para evitar a simples transformação de um monopólio que hoje é estatal por outro, privado, o governo não permitirá que uma SPE administre dois aeroportos na mesma região. O concessionário de Guarulhos, portanto, não poderá ser o mesmo de Viracopos.
Outra decisão importante é a criação da figura da autoridade aeroportuária, que, mesmo sendo um ente privado, terá poderes para gerir cada unidade de forma autônoma, impedindo que repartições públicas, como a RECEITA FEDERAL e a Polícia Federal, por razões corporativistas, prejudiquem o bom funcionamento dos aeroportos. Hoje, embora seja a administradora dos aeroportos federais, a Infraero não tem autoridade sobre os demais entes públicos, que trabalham de costas uns para os outros.
O modelo da autoridade única é inspirado no modelo americano. "Aeroporto tem que ter chefe para responder pela unidade e cobrar dos outros parceiros, de maneira a fazer aquilo funcionar", ressaltou Bittencourt.
O grande desafio do governo Dilma, neste momento, é justamente superar o corporativismo que reage às mudanças no setor aeroportuário. Os funcionários dos três aeroportos já anunciados para concessão, além dos que trabalham no Galeão/Antônio Carlos Jobim (RJ) e em Confins (MG), os próximos da lista do governo, ameaçam fazer greve em represália ao projeto liberalizante.
A greve pode ser um tiro no pé. Apenas reforçaria a necessidade de ampla privatização do setor, afinal, é inconcebível que a sétima economia do mundo tenha, no transporte aéreo, tamanha dependência de uma única empresa (a Infraero) para funcionar. Trata-se de um anacronismo que, enfim, está prestes a ser eliminado.