VALOR ECONÔMICO – 14 de junho de 2011
Coluna: Antônio Delfim Neto
Uma das mais bem-sucedidas instituições da nossa administração financeira é a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), encarregada de administrar a dívida pública federal. Para quem acompanha o seu importante trabalho, é visível o contínuo aperfeiçoamento técnico e a busca de crescente transparência da sua ação.
Ela acaba de publicar o seu Relatório Anual da Dívida Pública Federal - 2010, onde presta contas do setor sob sua responsabilidade, juntamente com o seu Plano Anual de Financiamento - 2011, onde se fixam limites para o nível do endividamento federal (interno e externo), bem como a forma esperada de seu financiamento no ano em curso. É de justiça assinalar que praticamente todos os objetivos fixados para o ano de 2010 foram atingidos.
A partir de um exercício prospectivo (interno e externo), que inclui alguns cenários possíveis, a secretaria estabelece seu objetivo anual. Uma vez escolhido o que lhe parece mais verossímil, constrói a sua estratégia para suprir de forma eficiente as necessidades de financiamento do governo federal sob as restrições: 1) de menor custo no longo prazo; 2) manutenção de riscos prudentes; e 3) estímulo ao bom funcionamento e à ampliação dos mercados secundários para os papéis do Tesouro.
80% da dívida remunerada pela Selic vence até 2014
A gestão da dívida pública obedece, sempre, a algumas diretrizes importantes: 1) aumentar o seu prazo médio; 2) suavizar a estrutura dos vencimentos, diminuindo a dívida de curto prazo; 3) substituição gradual dos papéis remunerados pela Selic por outros com rentabilidade pré-fixada ou vinculada a índices de preços; 4) construir uma estrutura a termo das taxas de juros nos mercados interno e externo para aumentar a liquidez dos papéis; e 5) ampliar a base dos investidores diretos em papéis do Tesouro.
Uma ideia do sucesso da administração da dívida pública federal em 2010 pode ser obtida pelo seguinte fato: no início de 2010, a STN estimou que ela ficaria entre R$ 1,60 trilhão e R$ 1,73 trilhão. Em dezembro, atingiu R$ 1,69 trilhão, praticamente a média do intervalo. E a composição percentual do estoque da dívida entre os vários papéis (pré-fixados, indexados a preços, Selic, câmbio) ficou, também, dentro dos limites estabelecidos. O mesmo aconteceu com o prazo médio (3,5 anos) e a porcentagem da dívida de 12 meses (24%).
A qualidade da administração da STN e da política econômica em que ela se insere reflete-se na substancial redução do custo-Brasil medido no mercado externo de capitais. E a persistência na busca da criação de um mercado secundário, na decuplicação dos compradores diretos do Tesouro entre 2003 e 2010 (agora mais de 210 mil).
A composição da dívida federal desejada pela Secretaria do Tesouro Nacional para atender aos objetivos fixados acima é a revelada no quadro 1, abaixo.
Para entender as modificações que a STN deverá fazer no futuro, basta compará-la com a distribuição do financiamento da dívida existente em 31/12/2010 (R$ 1,69 trilhão), que se vê no quadro 2, abaixo.
Como é evidente, o grande "ajustamento" que deve ser feito ao longo dos próximos anos é criar as condições para que o mercado reduza em seu portfólio os papéis remunerados em taxa Selic. Isso seria muito positivo: 1) para ajudar no esforço de continuar a reduzir a taxa real teratológica de juros que vimos aplicando por tradição e laxismo fiscal; e 2) para aumentar a potência da política monetária convencional.
A notícia mais importante do Plano Anual de Financiamento da STN para 2011 é que existe essa possibilidade durante o atual mandato da presidente Dilma Rousseff, porque 80% dos vencimentos da dívida remunerada em Selic vencem entre 2011 e 2014. Como afirma a STN, o "ajustamento" será lento, cuidadoso e oportunístico, refletindo o "desenvolvimento do mercado financeiro".
O fundamental é saber que a janela existe e que o seu aproveitamento depende, apenas, de uma forte coordenação entre a política fiscal e a política monetária, que dê musculatura à Secretaria do Tesouro Nacional para aproveitá-la.
* Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento