Agência Carta Maior
* Paulo Kliass
09/03
O resultado do PIB não poderia mesmo ser muito diferente. Como diz a sabedoria popular, “colhemos aquilo que plantamos”. As medidas contracionistas tiveram seu impacto em termos de redução do potencial do mercado interno, exatamente na contramão das medidas anticíclicas adotadas em 2009 e 2010.
Agora é oficial. Saímos do campo das expectativas, das previsões, das impressões e do “achômetro” e entramos na divulgação das informações fornecidas pelos órgãos do governo. O IBGE, fundação subordinada ao Ministério do Planejamento, anunciou os dados a respeito do desempenho da economia brasileira ao longo de 2011.
E o resultado para o crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) ficou bem abaixo daquilo que a equipe da Presidenta Dilma havia anunciado durante boa parte do ano passado. O conjunto dos bens e serviços produzidos no País entre janeiro e dezembro de 2011 cresceu apenas 2,7% na comparação com o igual período do ano anterior. Isso representa uma expressiva contração face ao crescimento de 7,5% observado em 2010, último ano de mandato do Presidente Lula.
Na verdade, ninguém com responsabilidade na área econômica do governo pode ensaiar alguma desculpa para se declarar surpreendido ou reclamar do inusitado dos números. A evolução do ritmo da atividade econômica é objeto de acompanhamento periódico e sistemático por um conjunto enorme de organismos e instituições, sejam da área de pesquisa, do setor privado ou do próprio governo. E as estimativas já apontavam para um cenário dessa natureza. Só faltava mesmo era sair a informação impressa em folha com papel timbrado, como acabou de acontecer.
As medidas adotadas em 2011 Para efeito de compreensão, acho que vale a pena recordar um pouco como as coisas aconteceram. As principais decisões de política econômica adotadas pelo governo em 2011 foram no sentido de assegurar às chamadas “forças do mercado” que as linhas mestras do conservadorismo não seriam alteradas em sua essência. Assim foi a manutenção da política de juros elevados da SELIC durante todo o do ano. Recordemos que quando Dilma assumiu o governo, a taxa estava no patamar (já alto!) de 10,75% ao ano. Houve cinco altas seguidas em reuniões do COPOM, até ela alcançar 12,50%. E depois começaram a tirar vagarosamente o bode da sala. Os efeitos recessivos de uma política monetária como essa são evidentes. Os investimentos são sempre os primeiros a sentirem o elevado custo dos empréstimos. O ritmo da atividade econômica tinha mesmo que cair.
A mesma lógica estava por trás da decisão de se manter o valor do salário mínimo sem o reajuste real no início do ano passado. Efeito negativo semelhante foi sentido no reajuste dos valores das pensões e aposentadorias do regime previdenciário, sem nenhum ganho real. Esses importantes componentes de formação da renda interna não ganharam nada mais do que a mera reposição das perdas com a inflação. Era óbvio que haveria um impacto negativo sobre a demanda, em comparação com os aumentos verificados nos períodos anteriores.
A manutenção da política de geração de superávit primário foi saudada como opção do “bom mocismo”, pela conduta pautada em respeito à sacrossanta “responsabilidade fiscal”. Elevada à condição de prioridade absoluta em termos de política fiscal, a obstinação com essa meta provocou, como conseqüência bem conhecida, as reduções das verbas orçamentárias da União em áreas estratégicas da Administração Pública.
Agora há poucos dias o governo anunciava com toda a pompa a suposta “seriedade na condução da política fiscal” e declarava o corte de R$ 55 bilhões no Orçamento da União para 2012. Poucos dias depois, os jornais expunham a satisfação dos formadores de opinião do mercado financeiro e as autoridades na área econômica, pelo sucesso de esforço fiscal. A razão para tanto era o resultado do superávit recorde para o mês de janeiro (R$ 26 bi), quando a sanha de cortes propiciou a economia orçamentária superior a 18% do valor global previsto para o ano todo [1]. Ou seja, todo esse recurso cortado das áreas sociais e de infra-estrutura estava sendo dirigido para pagamento de juros da dívida pública. Uma loucura! Esse era o verdadeiro pano de fundo para um “sucesso” tão comemorado pelo governo e pelos agentes do mercado financeiro.
Arrocho fiscal e juros elevados Ora, diante desse quadro de decisões adotadas na esfera da macroeconomia, o resultado não poderia mesmo ser muito diferente. Como diz a sabedoria popular, “colhemos aquilo que plantamos”. As medidas contracionistas tiveram seu impacto em termos de redução do potencial do mercado interno, exatamente na contramão das medidas anticíclicas adotadas em 2009 e 2010. Por outro lado, a política monetária de juros elevados manteve a atratividade do mercado financeiro brasileiro para os investidores internacionais, em particular para os gestores da massa de capital especulativo em busca da maior rentabilidade possível pelas praças financeiras do mundo. Um dos efeitos da manutenção da taxa oficial de juros brasileira como a mais elevada do globo tem sido a persistente sobrevalorização de nossa moeda frente ao dólar norte-americano e ao euro, por exemplo.
Ora, o alto custo financeiro provoca a redução do ritmo dos investimentos na economia real, com impacto negativo sobre a geração de empregos e renda. Por outro lado, esse mesmo patamar elevado de juros, por meio da valorização cambial, desestimula as exportações de manufaturados e inunda nosso mercado com bens industriais produzidos no exterior. A combinação desses dois fenômenos acirra a tendência à desindustrialização.
Esse modelo só beneficia, de forma efetiva, poucos setores de nossa sociedade: i) os representantes dos diversos segmentos envolvidos com o capital financeiro; e ii) os representantes dos setores vinculados à exportação de “commodities” - seja na área do extrativismo mineral, seja na área de agronegócios. A indústria continua à míngua.
O crescimento do consumo interno de manufaturados está cada vez mais sendo atendido pela importação, em especial de bens oriundos da China. Os dados do IBGE mostram que o crescimento da capacidade consumidora não está sendo correspondido pela produção interna. Em 2011, as famílias compraram no comércio varejista a um ritmo 7% maior do que o ano anterior. Mas como a produção industrial só cresceu 1,6% ( se tirarmos a “indústria extrativa” do cálculo, o índice fica em apenas 0,3%) a conclusão óbvia é de que o buraco foi coberto pelas importações.
Bem antes do atual “tsunami financeiro” Do ponto de vista da política e da diplomacia, pode-se até compreender o jogo de cena desenvolvido pela Presidenta em sua recente visita à Alemanha, quando buscou responsabilizar o chamado “tsunami financeiro internacional” por nosso mau desempenho durante 2011. É óbvio que o fato de os governos dos Estados Unidos e dos países europeus terem injetado alguns trilhões de dólares acaba contribuindo para agravar as dificuldades das demais nações. Esse volume de recursos seria destinado, em princípio, a ajudar as instituições do sistema financeiro dos países ricos e a contribuir para a recuperação do quadro recessivo que os afeta. Porém, acaba também ocorrendo um efeito de desvio de parte desse recurso, que sai em busca de maior rentabilidade financeira mundo afora. Afinal, ninguém é de ferro... E aí nossas praias continuam bem aqui, oferecendo toda sorte de facilidade ao capital especulativo.
Assim, essa dinâmica já estava em operação e era conhecida por todos, muito antes do Banco Central Europeu apresentar seu mais recente pacote de ajuda à liquidez para os bancos atuantes naquele espaço econômico. Ora, se o diagnóstico de Dilma é tão sincero quanto correto, a pergunta que fica no ar é por que nada foi feito ao longo do último ano para evitar que a economia brasileira fosse contaminada por tal maremoto? Há amplo consenso entre os economistas não vinculados ao sistema financeiro a respeito da necessidade urgente de se aumentar a tributação e o controle sobre o capital especulativo. Mas nada foi feito nesse período.
Outros países foram bem melhor Finalmente, vale registrar que outros países compartilham o mesmo processo de globalização financeira, mas lograram obter resultados bem mais interessantes que os nossos 2,7% em seu PIB de 2011. Isso é mais uma demonstração de que outro caminho é possível. Eis aqui alguns exemplos:
China - 9%;
Índia - 8%;
Rússia - 4%;
Argentina - 6%;
América do Sul - 4,6%;
América Latina - 4,3%
Esperamos que a Presidenta tenha aprendido com o susto e reoriente a política econômica rumo a uma via de desenvolvimento sustentável, privilegiando de forma efetiva a economia real e diminuindo os benefícios exagerados concedidos ao sistema financeiro. E isso implica ampliar o arco das futuras e necessárias medidas de benefício tributário, para outros setores que não apenas as sempre contempladas montadoras automobilísticas estrangeiras.
O risco da China Além disso, outro tema que os responsáveis pelo governo devem incluir, de forma urgente, em sua pauta é a superação da chamada “sino-dependência”. Nossas relações comerciais estão começando a ser dominadas pelas exportações e importações com a China. E isso nos é prejudicial por várias razões. Uma delas é a quase certeza de uma redução do ritmo do crescimento por lá, em razão da crise nos países mais ricos. E isso que pode provocar conseqüências danosas para nossa renda e nosso emprego. Mas nesse caso, para o Brasil, até pode ser uma crise que nos faça reduzir essa dependência prejudicial. Ou alguém ainda acha razoável um modelo onde a economia brasileira possa ser prejudicada a cada ameaça da China em reduzir suas compras dos produtos que para lá exportamos, como nosso minério de ferro, nossa soja, nosso petróleo?
NOTA [1] Ver: http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/3/1/superavit-primario-bate-recorde-em-janeiro/
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.