Correio Braziliense
Brasil S.A - Antônio Machado
22/11/2012
Embora, em geral, produtora de medidas supérfluas e perecíveis, a Câmara aprovou projeto, já votado pelo Senado, que, enfim, regulamenta o preceito da Constituição que obriga a transparência nas notas fiscais dos impostos incidentes nos preços dos produtos e serviços. É daquelas decisões que redimem o pecador.
Nada pode ser mais didático para a expressão da cidadania que esse ditame, antecedente de qualquer aumento de carga tributária, que só tem crescido há duas décadas. E isso acontece à revelia do direito do contribuinte à informação sobre o que lhe é cobrado, como, por exemplo, ao comprar arroz e feijão (17,24% de imposto embutido no preço, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), pasta de dente (34,67%), um litro de gasolina (53%, de modo que se paga mais de impostos do que o custo de extração e refino do combustível, somado à margem de lucro da Petrobras, da distribuidora e do posto de serviço).
Nas tarifas de eletricidade, de telefonia e de internet, tal como na gasolina, o imposto também passa de 50%, dependendo da alíquota do ICMS, um tributo estadual. É conferido a tais insumos essenciais para a produtividade pessoal e da economia o mesmo tratamento dos bens de luxo ou considerados supérfluos, como perfume, bebida e iate. O que é de Cesar nesses preços: a taxa de lucro ou a carga tributária?
O conhecimento da carga tributária por produto não implica que ela deverá baixar, mas condiciona o governante e o legislador a pensar duas vezes antes de criar despesas sem informar sobre como ela será custeada. E tende a fixar no cidadão a consciência de que nada é de graça e de que nem o governo é o grande provedor, como a propaganda oficial costuma insinuar. É ele mesmo que paga por tudo o que supostamente é aprovado em seu nome. A transparência tributária começa a dar uma ideia sobre o custo versus o benefício, que, em muitos casos, mais o prejudica que favorece. Ou desatende, dependendo do ônus fiscal.
O constituinte de 2008 foi sábio, já que, se de um lado adicionou à Constituição uma lista respeitável de novos direitos à sociedade, financiados pela arrecadação tributária, de outro fez obrigatória a publicidade de todo e qualquer imposto e taxa cobrados, sem exceção, de ricos e pobres — na conta de luz, na nota do supermercado ou da padaria, no tíquete de cinema, e assim por diante. Depende apenas da sanção da presidente Dilma Rousseff a prática dessa transparência.
Mérito do deputado Maia
É para nada ficar de fora, exceto por uma sutileza: antes que essa norma entrasse em vigor, o Congresso deveria aprovar uma legislação complementar regulamentando a transparência dos gravames fiscais. A sociedade se mobilizou, diante da inapetência legislativa, e enviou ao Congresso uma proposta de lei com mais de 1,5 milhão de adesões.
O Senado tomou a iniciativa e regulamentou o dispositivo, expresso no artigo nº 150 da Constituição. Foi até rápido. Lento foi o tramite na Câmara, apesar de os parlamentares serem eleitos para proteger o interesse da população. O presidente da Câmara, Marco Maia, do PT gaúcho, dizia que poria o projeto empoeirado à votação no plenário e cumpriu. O deputado quer distinguir o fim de seu mandato bianual limpando a pauta de votação, para incomodo do governo, já que ela inclui medidas com potencial de desfalcar o portentoso (e ao mesmo tempo exaurido para novos gastos) orçamento fiscal federal.
Constituição sem censura
A presidente deverá recepcionar a nova lei, eventualmente com uns pequenos vetos, para adequar os tributos indiretos sobre o preço, como o Imposto de Renda e o Cofins, ao procedimento de divulgação. Nada difícil de ser feito. Ao governo federal, como aos anteriores e os de estados e municípios, teria sido melhor manter opaca essa informação. Mas, já que o Congresso fez o mais difícil, não teria cabimento a presidente censurar o que manda a Constituição. O líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), assentiu com a votação, embora reclamasse de uma discussão sobre o sistema tributário. Tem razão, mas somente depois da transparência sobre o que nos é cobrado. Chinaglia poderia começar discutindo se faz sentido o ICMS integrar a própria base de cálculo. Uma alíquota de 25%, por exemplo, transforma a tributação efetiva em 33,33%. De 18% vira 21,95%. E isso é só um grão no cipoal fiscal.
O entusiasmo do presidente da Câmara de levar a voto o que vegeta na Casa há anos inclui uma dor de cabeça monumental para as contas públicas: o projeto que extingue o fator previdenciário, regra que aplica um desconto sobre as aposentadorias do setor privado segundo o tempo de contribuição. A área econômica do governo recomendou a Dilma que vete, caso o Congresso aprove tal dispositivo, nascido no Senado por obra do senador Paulo Paim, do PT. A votação permite ao governo saber com quem conta, de fato, na base aliada. Melhor saber agora que à véspera da temporada eleitoral de 2014.
Cuidado com os desejos
A forte desvalorização do real nos últimos dias, caindo a R$ 2,095 no fechamento da quarta-feira, acompanha a instabilidade cambial no mundo, que recrudesceu com a sangria sem fim da Grécia, a indefinição fiscal dos EUA e o temor sobre os créditos podres da banca chinesa. Não é algo deliberado do Banco Central, mas assim parece depois de a presidente avançar o sinal em entrevista ao Valor. “Nós estamos em busca de um câmbio que não seja esse, de um dólar desvalorizado e o real supervalorizado”, disse ela.
É preciso antes combinar com o caixa da Petrobras, endividada em dólar tanto quanto o grosso dos bancos e as grandes empresas nacionais e estrangeiras. E também com a racionalidade da meta de inflação imposta ao BC. Não é crível cogitar uma grande queda do poder aquisitivo do real em dólar sem aumento dos passivos externos. E com a economia global patinando, é duvidoso que ajude a indústria sem desfalcar também a renda real. É preciso cuidado com o que se deseja.