Por Antônio Augusto de Queiroz (*)
Com enorme senso de oportunidade, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), diante das incertezas da conjuntura e do vácuo de protagonismo político, tomou a iniciativa de propor uma agenda para estancar e superar a crise político-econômica, deslocando o debate de uma pauta negativa para uma positiva
Na perspectiva dos trabalhadores, entretanto, o acerto do anúncio se limita a mudar o eixo do debate, porque seu conteúdo interessa em grande medida apenas ao setor empresarial e atende ao viés fiscal de parte da equipe econômica.
Com 43 pontos, a agenda tem quatro eixos – melhoria do ambiente de negócios, equilíbrio fiscal, proteção social e reforma administrativa e do Estado – e está sob exame de uma “Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional”, instalada no Senado, cuja missão é propor leis para disciplinar cada um desses pontos.
Presidida pelo senador Otto Alencar (PSD/BA), tendo como primeiro vice-presidente o senador Romero Jucá (PMDB/RR) e como relator o senador Blairo Maggi (PR/MT), a comissão especial, composta por 14 membros titulares e igual número de suplentes, possui uma correlação de forças desfavorável aos trabalhadores.
No primeiro eixo, que também inclui infraestrutura, estão listados 13 itens destinados a favorecer o mercado, como a ideia de segurança jurídica, mediante a vedação do uso de medida provisória sobre matéria contratual; mudanças nos marcos legais de infraestrutura, ciência e tecnologia e mineração; nova disciplina para questões como licença ambiente, comércio exterior e legislação sobre terras bem como turismo; e implantação da Avaliação de Impacto Regulatório para que o Senado possa aferir as reais consequências das normas produzidas pelas agências reguladoras sobre o segmento de infraestrutura e logística.
Em grande medida, o primeiro eixo resgata a agenda do Governo FHC, que reserva ao Estado um papel mais de regulação e menos de provedor de bens e serviços. Sob a relatoria de um senador vinculado ao agronegócio e de perfil liberal, a revisão dos marcos legais sobre licença ambiental e a aquisição de terras por estrangeiros e as atividades produtiva e comercial em terras indígenas, assim como o foco no “Estado regulador”, em lugar de provedor, dão a exata dimensão do tipo de desenho imaginado.
Nesse primeiro eixo também está incluída a “regulamentação” do ambiente institucional dos trabalhadores terceirizados, supostamente para melhorar a segurança jurídica face ao passivo trabalhista potencial existente e a necessidade de regras claras para o setor. Reside aqui um dos grandes pontos negativos da Agenda, já que a discussão sobre a regulamentação da terceirização tem por base os projetos precarizantes em tramitação no Senado.
No segundo eixo, que trata do equilíbrio fiscal, estão previstas mudanças legais voltadas para a desvinculação das despesas obrigatórias, para a venda de patrimônio público da União, para instituição de lei de responsabilidade das estatais, restringindo o poder presidencial sobre esse segmento, revisão do pacto federativo, a criação de uma “instituição fiscal independente” para monitorar o gasto público, a simplificação do sistema tributário, repatriação de capitais, modernização da lei de licitações, dívida pública e depósitos judiciais.
Ainda neste eixo, há dois pontos que preocupam sobremaneira os trabalhadores. O primeiro prevê a instituição de idade mínima para aposentadoria e o segundo propõe a revisão dos atuais limites para gasto com pessoal. São propostas que, como regra, têm por finalidade, em nome do combate ao déficit público e da responsabilidade fiscal, restringir o acesso a benefícios previdenciários, especialmente aos trabalhadores que ingressam mais cedo no mercado de trabalho, e impor arrocho salarial (chamado de “reajuste planejado”) aos servidores públicos.
No terceiro eixo, supostamente de proteção social, há três preocupações, que sinalizam para a descentralização e privatização e uma quarta que aponta tendência de flexibilização de direito trabalhista.
A primeira está associada ao tema educação. Ao mesmo tempo em que o texto fala da implementação do Plano Nacional de Educação, o texto sinaliza para a privatização da educação ao prever a definição das responsabilidades e o caráter supletivo e redistributivo dos entes estatais no setor, cuja função primeira passa a ser assegurar consistência fiscal ao financiamento da educação.
A segunda tem a ver com a questão da saúde pública, cujo foco é aperfeiçoar o marco jurídico e o modelo de financiamento, disciplinando o ressarcimento pelos planos de saúde dos atendimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aos seus associados, assim como avaliar a proibição de liminares com tratamentos onerosos para o US.
A terceiriza se refere à segurança pública, envolvendo a revisão e redistribuição das atribuições da União e dos Estados na segurança pública e no sistema prisional, com risco de privatização deste último.
A quarta e última preocupação tem a ver com mundo do trabalho, no qual há um aspecto central, positivo, que serve como contraponto à proposta de regulamentação da terceirização, que não faz parte desse eixo. Trata-se da proposta de condicionar a concessão de incentivos fiscais e acesso a crédito a meta de geração e preservação de emprego. Essa questão, porém, não está relacionada à revisão da política de desoneração já implementada, que teve efeitos desastrosos, mas apenas em relação a benefícios futuros.
O quarto eixo, que trata da reforma do Estado, propõe a redução da estrutura ministerial e de empresas estatais, a implementação do modelo de administração pública gerencial, desburocratização e reforma das agências reguladoras, revisão do marco regulatório dos fundos de pensão e empreendedorismo, com o favorecimento do ambiente de negócios para as micros e pequenas empresas. Trata-se de uma “volta ao passado”, inspirada em medidas de caráter neoliberal, que foram adotadas de forma parcial no Brasil a partir do Governo FHC e, nos governos tucanos, tiveram uma sobrevida, como no caso de Minas Gerais, onde o “choque de gestão” foi implantado em sua plenitude.
Os movimentos sociais, em geral, e o sindical, em particular, precisam ficar absolutamente atentos e agir em plena sintonia com os senadores da Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional que se dispunha a defender o interesse nacional e a agenda dos trabalhadores na comissão, para evitar que as propostas que resultem dessa comissão prejudiquem os trabalhadores, ou sejam aprovadas de afogadilho, pressionadas pelo seu caráter midiático, mas sem a correta aferição de seus reais impactos sobre a sociedade.