Valor Econômico SP - 25 de julho de 2016
A decisão de não realizar novo contingenciamento das despesas orçamentárias, tomada pelo presidente interino Michel Temer, levou o governo a abandonar a meta de déficit primário de R$ 163,9 bilhões para o setor público consolidado neste ano, que está prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). "Estamos perseguindo apenas a meta de resultado primário do governo federal, que é um déficit de R$ 170,5 bilhões", disse ao Valor uma autoridade credenciada da área econômica. "A meta dos Estados e municípios depende de outras variáveis que não controlamos", afirmou. Assim, o déficit de todo o setor público consolidado (União, Estados, municípios e estatais) será muito maior do que o previsto até agora e poderá ultrapassar R$ 180 bilhões.
A primeira estimativa para o déficit primário de Estados e municípios neste ano era de R$ 15 bilhões, informou outra fonte do governo. Agora, a previsão é de que o déficit poderá ser um pouco menor porque alguns Estados, como São Paulo, voltaram a pagar à União. O governo só saberá o tamanho do buraco depois da aprovação do projeto de lei complementar 257, que trata da renegociação das dívidas estaduais.
Até o último decreto de programação orçamentária e financeira, publicado no início de junho, o governo trabalhava com a perspectiva de cumprir a meta fiscal para o setor público consolidado de R$ 163,9 bilhões que está na LDO. Para isso, a União iria compensar a frustração do resultado fiscal dos Estados e municípios, provocada pela renegociação das dívidas estaduais. A LDO prevê um superávit primário de R$ 6,5 bilhões para esses entes da federação neste ano.
Como os Estados deixarão de pagar à União as parcelas deste ano do serviço das dívidas renegociadas, de acordo com o projeto de renegociação, eles irão gastar mais e, em vez de superávit primário, terão um déficit primário. Para compensar essa frustração, o governo criou uma reserva de R$ 18,1 bilhões em sua programação orçamentária e financeira, ou seja, não usou todo o espaço fiscal que a sua meta de déficit de R$ 170,5 bilhões permitia.
Com essa estratégia, o déficit primário do governo federal fixado no decreto de junho foi de R$ 152,4 bilhões (R$ 170,5 bilhões menos a reserva de R$ 18,1 bilhões). Os R$ 18,1 bilhões seriam usados, como informou na época o ministro interino do Planejamento, Dyogo de Oliveira, para compensar a frustração do resultado de Estados e municípios por causa da renegociação das dívidas e "outros riscos fiscais".
Oliveira disse que o espaço de R$ 18,1 bilhões era um valor líquido, pois significava a diferença entre a soma dos riscos fiscais previstos e a receita que o governo obterá com a repatriação de ativos enviados por brasileiros ao exterior de forma ilegal. Oliveira não explicitou a estimativa para a receita com a repatriação pois alegou, na época, que isso mostraria o custo que o governo estava disposto a absorver com a renegociação das dívidas.
A receita dos tributos federais apresentou, até o terceiro bimestre deste ano, "uma frustração bem superior à prevista", de acordo com uma autoridade. Caiu quase R$ 9 bilhões em relação à previsão anterior. A receita líquida total (incluindo outras arrecadações) caiu menos, R$ 7,9 bilhões. As despesas obrigatórias, por sua vez, aumentaram R$ 8,6 bilhões. Assim, se o governo quisesse perseguir o déficit primário de R$ 163,9 bilhões para o setor público consolidado teria que fazer um contingenciamento das despesas discricionárias de R$ 16,5 bilhões (R$ 7,9 bilhões mais R$ 8,6 bilhões). Preferiu reduzir a reserva que tinha feito de R$ 18,1 bilhões, que, agora, é de apenas R$ 1,6 bilhão.
A avaliação da área econômica é que a LDO não obriga o governo a compensar a frustração do resultado de Estados e municípios, pois o texto da lei diz apenas que a compensação de resultados da União e dos Estados e municípios "poderá" ser feita para a obtenção do resultado consolidado. Na prática, o governo está utilizando essa abertura da lei para aumentar o seu próprio déficit primário neste ano e de todo setor público sem descumprir a LDO. Em outras palavras, como não é obrigado a compensar a frustração da meta de Estados e município, ele terá um espaço maior para os seus gastos.
Uma autoridade observou que se a receita tributária melhorar nos próximos meses, a obtenção da meta para o setor público consolidado poderá voltar a ser considerada. A grande esperança da área econômica é que a receita com a repatriação seja superior aos R$ 20 bilhões que está sendo previsto. Desse total, a União ficaria com R$ 15 bilhões e os Estados e municípios com R$ 5 bilhões.