Agência Senado, 14 de setembro de 2016
O Plenário decidiu nesta terça-feira (13) devolver para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) o projeto que permite à administração pública vender para pessoas jurídicas privadas os direitos sobre créditos de qualquer natureza. O PLS 204/2016, sob relatoria do senador Paulo Bauer (PSDB-SC), tem gerado polêmica entre os parlamentares, que preferiram aprofundar as discussões no âmbito da CAE.
Pelo acordo fechado pelas lideranças partidárias, o texto — na forma de um substitutivo de Bauer — seguirá em regime de urgência para ganhar prioridade quando voltar ao Plenário, e deverá ser votado entre o final de outubro e o início de novembro.
Críticas
Durante a sessão desta terça, o projeto foi criticado pelos senadores Roberto Requião (PMDB-PR), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Kátia Abreu (PMDB-TO), que manifestaram preocupação com possíveis descontroles fiscais que a medida poderia vir a acarretar. Requião chamou a proposta de "desastre anunciado", observando que ela trata-se de uma Antecipação de Receita Orçamentária (ARO) sem a previsão de liquidação no mesmo ano, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
— Estamos diante de um projeto injurídico, imoral e que tende a comprometer administrações futuras. É evidente que no fundo existe uma intenção respeitável, mas precisamos de tempo para resolver a situação — disse Requião, que no entanto elogiou o esforço de Bauer ao relatar o projeto de José Serra (PSDB-SP), hoje ministro das Relações Exteriores.
Para que o projeto pudesse ser discutido no âmbito da CAE, Requião cedeu temporariamente seu lugar a Bauer na comissão. O relator, assim, poderá manter na tarefa. O texto deverá ser tema de audiências públicas e poderá ser debatido diretamente com governadores enquanto tramita na CAE.
Brecha
O projeto permite que um chefe de Executivo use a autorização para vender dívidas parceladas que ultrapassam o final da sua gestão, obtendo assim receitas de créditos futuros. Lindbergh Farias advertiu que essa brecha poderia resultar em gestões presentes comprometendo a programação futura dos cofres públicos.
— Um administrador, tendo esse instrumento, vai antecipar tudo. Governadores e prefeitos vão tentar resolver o seu problema, gerando uma crise futura — observou, salientando que o procurador junto ao Tribunal de Contas da União, Júlio Marcelo de Oliveira, aponta a eventual operação não como venda de ativos, mas como crédito, o que é vedado pela LRF.
O texto não estipula limite para o deságio da negociação do crédito — a diferença entre o valor nominal e o valor negociado da dívida repassada, sendo este último mais baixo. Kátia Abreu disse que esse vácuo é "temerário", pois prefeitos e governadores em situação fiscal preocupante podem cair em negociações desvantajosas em face da necessidade de obter receita rapidamente.
Preocupações
Paulo Bauer tentou dissipar as preocupações dos colegas. Ele afirmou que a venda de créditos não constitui antecipação de receita porque ela é uma transferência, não um empréstimo, e não cria obrigação de quitação para o poder público.
Bauer ainda destacou que o processo de venda terá que passar pela análise do Poder Legislativo do respectivo ente da Federação, e que o comprador será escolhido por licitação. Em relação à possibilidade de um administrador negociar créditos futuros, o relator esclareceu que a operação não pode ser feita nos últimos 120 dias de mandato, e que pelo menos 70% do valor arrecadado com a venda deve ser destinado a pagamento de dívida pública ou fundo de aposentadoria de servidores públicos — o que, na análise de Bauer, alivia a situação dos governos futuros.
Arrecadação
A permissão para venda de créditos, criada pelo projeto de lei, vale para todos os entes da Federação e aumentaria a arrecadação da União, dos estados e dos municípios. Autor do texto original, Serra argumenta que se desfazer de créditos sem liquidez reforçaria o caixa das unidades federativas.
De acordo com o texto, a venda não pode alterar as condições de pagamento já estabelecidas para o crédito e nem transferir para o setor privado a prerrogativa de cobrança judicial — que deve permanecer com o poder público. Os créditos cedidos não precisam estar inscritos na dívida ativa, mas devem corresponder a operações definitivas e ser efetivamente reconhecidos pelo devedor (por meio da formalização de parcelamento).
Além disso, a operação não pode acarretar nenhum compromisso financeiro para a administração pública, como a eventual responsabilização pelo pagamento futuro.
Substitutivo
O substitutivo de Bauer exige autorização do ministro da Fazenda, no caso da União, e do chefe do Executivo, no caso dos demais entes federados, para que a transferência dos direitos de crédito seja efetivada. Ele também estabelece que o pagamento à administração pública deve ser feito em dinheiro, não podendo ser efetuado na forma de títulos ou debêntures.
Os bancos públicos estão autorizados a participar das operações de securitização como compradores de créditos; no entanto, eles não podem operar com os seus entes controladores (ex: Banco do Brasil com a União, Banrisul com o estado do Rio Grande do Sul).