Peixe adulterado importado canibaliza mercado nacional, aponta audiência

Agência Senado, 28 de outubro de 2016


A falha na fiscalização da qualidade do pescado importado está prejudicando a indústria nacional, que sofre com a concorrência desleal com um produto de baixa qualidade. Por isso, representantes dos produtores brasileiros pediram, em audiência pública nesta quinta-feira (27), isonomia do governo nas exigências de qualidade para os produtos nacionais e importados e a alteração das práticas da “reinspeção”, a vistoria para entrada do peixe no país.


— No modus operandi de reinspeção que temos hoje, em sua grande maioria, [o pescado importado] está entrando com aditivos químicos, excesso de água, camuflando um preço que parece barato, canibalizando a indústria nacional e fazendo com que a população esteja ingerindo elementos que não correspondem à legislação nacional e pagando por um quilo que não é verdadeiro — disse Eduardo Lobo, da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca).


Segundo Eduardo, qualquer importadora pode trazer grandes quantidades do peixe para o mercado nacional – desde que tenha o rótulo aprovado no Brasil – e escolher um dos cinco mil postos relacionados pelo Ministério da Agricultura (Mapa) para fazer a reinspeção sanitária. No entanto, a imensa maioria desses postos não tem condições de receber a mercadoria e fazer a inspeção adequada, facilitando a fraude com uma análise superficial do conteúdo de um contêiner, por exemplo. Os peixes bonitos e saudáveis ficam no início, os adulterados e ruins, ocupam o fundo do espaço, não são vistos e acabam sendo qualificados.


O ideal, para a Abipesca, seria que o Mapa só concedesse licenças de importação de pescados aos importadores que indicassem, para fazer a reinspeção, um estabelecimento de pescado registrado no Serviço de Inspeção Federal e apto a fazer a correta fiscalização do produto. Hoje, existem pouco mais de 300 estabelecimentos de pescado em 22 zonas primárias selecionadas como adequadas para a reinspeção de pescado. Nelas, 40 fiscais agropecuários do Mapa são considerados especialistas em pescado, informou Eduardo.


Ele também sugeriu que o mau empresário, o importador que sabe da baixa qualidade do produto que compra e usa as fragilidades da legislação para burlar a fiscalização, deva ser punido severamente.



Fraude


De acordo com Eduardo Ono, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), as fraudes ocorrem em vários níveis, e podem envolver desde donos de restaurantes e mercados que encomendam o peixe de baixa qualidade de propósito até o comprador que é enganado.


No peixe importado da Asia a prática mais recorrente é a do oversoaking, o superencharcamento. A adulteração é feita com água e aditivos, com o filé do peixe colocado numa imersão com sais para facilitar a entrada de água para dentro do filé. A polaca do Alasca é o peixe mais importado daquele continente.


O oversoaking se diferencia de outro problema já conhecido dos brasileiros, com produto vendido com gelo por fora (o chamado glaciamento). Na prática é inserida água no filé, aumentando irregularmente o peso do peixe entre 20% e 30%. Com mais os 20% de glaciamento permitidos pela legislação nacional, o produto pode chegar a ter 50% de água adicionada, sem falar nos altos teores de sódio, elevando a concentração do sal artificialmente em até 10 vezes.


— Os produtos brasileiros não passam por esse processo de fraude porque são devidamente fiscalizados pelo Mapa nos processos de inspeção federal — destacou.


Ono deu dicas para o consumidor perceber, durante o preparo, se o produto é adulterado: a arquitetura do músculo do filé é desfeita, se esfarela, reduz muito de tamanho, solta muita água com espuma branca e fica salgado sem justificativa.



Fiscalização


O representante do Mapa, José Luis Ravagnani, frisou que o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal está atento às fraudes, naquilo que chamou de “luta hercúlea”.


— É um trabalho de gato e rato, porque eles vão se sofisticando — explicou.


Ele informou que a Pasta está trabalhando num projeto semelhante à sugestão da Abipesca, para não mais fiscalizar nos 5 mil pontos onde pode ser feita a reinspeção hoje. Mapeamento do Ministério apontou haver de 20 a 25 pontos de entrada aonde mais chegam os produtos de origem animal, dos 111 pontos de entrada legais de produtos agropecuários do país.


— O Mapa vem trabalhando para fechar a entrada de produtos de origem animal em alguns poucos lugares. Esse pessoal já foi capacitado, precisa de instalações adequadas, de qualificação, um laboratório próximo para a gente fazer essas atividades. Imaginamos que até ano que vem implantaremos essa iniciativa, e teremos mais eficácia com custo muito menor para o erário — revelou.


Ravagnani reconheceu ainda haver deficiência na fiscalização, em razão da falta de orçamento. E acrescentou que os importadores de pescado devem ser responsabilizados pela entrada no país de produtos fraudados.


— O importador também tem uma responsabilidade muito grande porque ele sabe o que está comprando. Então, se nós temos produtos importados ou nacionais fraudados, tem uma responsabilidade do Ministério da Agricultura em fiscalizar, mas a responsabilidade muito maior é da própria indústria — opinou.


A senadora Ana Amélia (PP-RS), presidente da comissão, lembrou ainda que a fiscalização depende de investimentos, muitas vezes, contingenciados.


— Às vezes, a gente está comprando um produto porque é mais barato, mas não sabe dos riscos que corre. Porque não é só o preço, mas tem que cuidar da qualidade. E as limitações são impostas, exatamente, pelo equívoco de não estabelecer prioridades. Que país queremos? Um país só de festa, Copa do Mundo ou Olimpíada, ou queremos um país que seja produtivo e respeitado lá fora? — questionou.


José Luis estimulou ainda a população a denunciar, na Ouvidoria do Mapa, marcas e estabelecimentos que estejam comercializando os produtos adulterados, seguindo as orientações já passadas pelo representante da CNA.


Também participaram da reunião os representantes da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Claudia Moraes, e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Raimundo Rezende.