Agência Senado - 31/08/2017
O impeachment deixou no Congresso Nacional um rastro de discussões sobre a qualidade das regras que atualmente regem o processo de julgamento de um presidente da República por crime de responsabilidade.
A aplicabilidade da Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950) para o caso da ex-presidente Dilma Rousseff foi um ponto contestado pela sua defesa e sua base de apoio. A falta de detalhes sobre o passo-a-passo do rito levou os parlamentares a se escorarem em decisões do STF, no Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/1941) e em precedentes históricos para definirem o andamento dos trabalhos.
Em face dessas dúvidas, alguns senadores, na esteira do impeachment de 2016, tomaram a iniciativa de apresentarem projetos de lei e de emenda à Constituição sobre o tema.
Os objetivos de cada um variam. Alguns buscam consolidar no ordenamento jurídico a normatização estabelecida pelo STF para a análise da denúncia contra Dilma, de modo que ela possa ser repetida no futuro sem contestações. Outros tentam inovar em relação às regras atuais, modificando pontos que seus autores acreditam estarem defasadas – uma vez que a legislação do impeachment foi elaborada há quase 70 anos e sob a vigência de outra Constituição Federal.
Nova lei
Entre as iniciativas, no entanto, as mais abrangentes são as que procuram cumprir ambas as funções, propondo uma reformulação completa da Lei do Impeachment. É o caso do PLS 2/2017, assinado pelo senador Raimundo Lira (PMDB-PB). Ele foi presidente da comissão especial do impeachment em 2016 e usou a experiência adquirida no cargo para propor uma nova legislação.
Além de incorporar o rito cumprido pela comissão, de modo a deixar uma referência oficial para eventuais novos casos no futuro, o projeto de Lira aborda problemas que o senador identificou no processo de impeachment a partir das polêmicas que surgiram no Congresso.
Vão na mesma linha os PLS 210/2016, de Ricardo Ferraço (PSDB-ES), e PLS 251/2016, de Alvaro Dias (Pode-PR). Eles também consolidam o passo-a-passo definido pelo STF e cumprido pelo Congresso no texto da lei, além de dirimir dúvidas – como, por exemplo, o número de testemunhas a serem ouvidas durante o processo.
Todos esses três projetos ampliam o rol de autoridades sujeitas ao julgamento por crimes de responsabilidade, incluindo figuras como o vice-presidente, os comandantes das Forças Armadas, os governadores e os juízes.
Outro ponto em comum entre todos os projetos é que eles adequam a legislação do impeachment à Constituição no que se refere ao afastamento temporário do presidente da República. De acordo com o procedimento seguido pelo Congresso em 2016, o Senado, após autorizado pela Câmara dos Deputados, deve votar se recebe a denúncia e instaura o processo. Apenas após essa decisão é que o chefe do Executivo se afasta do cargo, por até 180 dias, até o julgamento.
Também há concordância entre as propostas na tentativa de pacificar uma das maiores controvérsias do impeachment de Dilma Rousseff. Após a condenação, os senadores e o presidente do julgamento, Ricardo Lewandowski, entenderam que também cabia ao Senado decidir se a ex-presidente perderia temporariamente os direitos políticos. A decisão da casa foi de que ela não sofreria essa sanção, e, portanto, estaria livre para concorrer em eleições ou ser nomeada para cargos públicos imediatamente após o impeachment.
A oposição criticou a medida, afirmando que a Constituição vincula a perda dos direitos políticos à condenação. A Lei do Impeachment, anterior à Constituição Federal de 1988, não é clara quanto a essa vinculação. Nas novas redações oferecidas por Lira, Ferraço e Alvaro, a inabilitação passa a ser automática, cumulativa com a perda do cargo.
Primeiro mandato
O projeto de Raimundo Lira também bate o martelo sobre outro ponto de disputa entre os parlamentares, este surgido logo no início das discussões do impeachment. A princípio, os opositores da ex-presidente queriam denunciá-la também por atos do seu primeiro mandato (2011-2014), mas os defensores de Dilma argumentaram que apenas o mandato em curso deveria ser considerado.
O centro da polêmica é que a Lei do Impeachment precede a instituição da reeleição presidencial, portanto não leva em conta a possibilidade de um presidente exercer mais do que um mandato. No projeto de Raimundo Lira, a reeleição é considerada uma continuidade do primeiro mandato. Assim, qualquer futuro presidente que obtenha nova vitória nas urnas fica sujeito à investigação por atos de qualquer ponto de suas gestões.
Essa mesma medida é introduzida pela PEC 46/2016, do senador Aécio Neves. Ela também adapta as normas do impeachment para que reconheçam a reeleição, mas faz isso consolidando essa regra diretamente na Constituição Federal. De todas as propostas sobre mudanças no processo de impeachment, a PEC de Aécio é a única que já está em condições de ser votada por uma comissão – ela tem relatório favorável na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e aguarda para entrar em pauta.
Início, meio e fim
Uma inovação particular ao projeto de Raimundo Lira é a que trata da legitimidade de apresentação da denúncia de crime de responsabilidade. Atualmente, qualquer cidadão pode assinar o documento e entrega-lo à Câmara. O senador entende que a seriedade do assunto demanda uma exigência maior para que ele seja iniciado.
Dessa forma, Lira propõe que apenas partidos políticos com representação no Congresso Nacional tenham a autorização de iniciar autonomamente um pedido de afastamento do presidente da República. A sociedade civil poderia fazê-lo, prossegue o senador, a partir de requerimento elaborado por pelo menos 1% do eleitorado nacional, com os signatários distribuídos por pelo menos cinco estados, sendo que cada um deles participe com, no mínimo, 0,3% do seu próprio eleitorado.
Duas outras PECs versam sobre a fase intermediária do impeachment, entre a autorização da Câmara e a chegada no Senado. No entanto, as PEC 23/2016, do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), e PEC 27/2016, do senador licenciado Walter Pinheiro (sem partido-BA) divergem frontalmente no que propõem. Cristovam sugere extinguir a votação de recebimento no Senado, fazendo com que os senadores não tenham a possibilidade de rejeitar a decisão dos deputados. Já Pinheiro quer que a votação tenha um quórum ainda maior – 54 votos favoráveis para instaurar processo, em vez de 41.
Finalmente, mais dois projetos que inovam no processo de impeachment são os PLS 338/2016, de Lasier Martins (PSD-RS), e PLS 343/2016, de Alvaro Dias, que tratam da situação do presidente afastado ou removido do cargo e dos direitos institucionais que lhe cabem. Lasier sugere que, durante seu afastamento temporário pré-julgamento, o mandatário tenha as mesmas prerrogativas concedidas aos ex-presidentes – quatro funcionários para segurança e apoio pessoal e dois veículos oficiais com motoristas.
Alvaro Dias aborda o afastamento definitivo do presidente que seja condenado à perda do cargo por crimes de responsabilidade. A ideia do senador é impedir que um presidente cassado tenha acesso às mesmas garantias de ex-presidentes que concluíram o mandato normalmente.