BC pode intervir se volatilidade crescer

CORREIO BRAZILIENSE - 24 de agosto de 2018

Apesar de a alta do dólar não superar os 2% por dia, o encarecimento consecutivo da divisa pode levar o Banco Central (BC) a atuar no mercado cambial. A avaliação é do economista-chefe do Banco UBS no Brasil, Tony Volpon. Ele destacou, em entrevista ao Correio, que o país é afetado pelas incertezas eleitorais e pelo cenário externo mais desafiador, com redução da liquidez internacional, elevação dos juros norte-americanos e a guerra comercial dos EUA com a China. Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, Volpon ressalta que a atuação da autoridade monetária no mercado cambial deve ocorrer somente para corrigir movimentos intensos, por curto período, no preço da divisa estrangeira. Segundo ele, não é tarefa do BC determinar o valor da moeda a curto prazo. "O Brasil tem um mercado pequeno, relativamente líquido e fechado. E há um gigante nesse mercado,  que é o BC. Mas ele não deve usar esse poder para simplesmente colocar o câmbio em um patamar que não conversa com os fundamentos da economia", destacou.

O Banco Central deve intervir no mercado cambial neste momento?

Pelo padrão de volatilidade, que ainda parece pequena, a tendência do BC é não atuar. Não temos uma desvalorização de 3% a 4% em um dia. Agora, é preciso ver se o rompimento da barreira de R$ 4 não elevará a volatilidade. Aí, pode haver intervenção. O mercado está precificando a probabilidade de um resultado eleitoral que dificulte as reformas que precisam ser feitas do lado fiscal. Racionalmente, o mercado coloca um prêmio de risco no preço de todos os ativos. Isso se faz, exatamente, com os ativos ficando mais baratos para compensar riscos para quem está comprado nesses ativos. O BC pode atuar quando a variação em dias consecutivos for relevante. Nos próximos dias, o dólar pode chegar a R$ 4,20 e ele pode interpretar essa alta contínua como uma demanda por proteção.

Mas o BC deve intervir ou não?

Pelo que acontece no exterior e no mercado doméstico, o processo de alta do câmbio tem lógica. Se quiser colocar o dólar em um determinado patamar, a curto prazo, o BC consegue. O Brasil tem um mercado pequeno, relativamente líquido e fechado. E um há um gigante nesse mercado, que é o BC. Mas ele não deve usar esse poder para simplesmente colocar o câmbio em um nível que não reflita os fundamentos da economia. Ele pode atenuar a volatilidade, agir para deixar o mercado funcional, mas, fora isso, o mercado tem que precificar o risco. Não acredito que o BC tenha uma vantagem de informações para dizer que o câmbio está certo ou errado frente aos fundamentos.

A desvalorização dos ativos brasileiros é uma das explicações para sua expectativa de alta de juros ainda em 2018, após as eleições?

Quando tivemos aquele primeiro movimento de volatilidade, em maio e junho, avaliamos que seria muito provável que ela continuaria. Assim, teríamos uma crescente necessidade de colocar um prêmio de risco em todos os ativos para refletir esses riscos. E a taxa básica de juros (Selic) tem que conversar com a taxa de mercado. À medida que a taxa de mercado sobe, a Selic tem que acompanhar. De certa maneira, aquilo que gostamos de chamar de taxas neutras têm, em países emergentes, um componente de risco. Não temos uma moeda e uma curva de juros sem riscos. Quem tem isso são os Estados Unidos. É para quem pode, não para quem quer.

O cenário externo pesará nessa decisão?

O desenvolvimento dos vetores externo e interno vai pressionar os mercados e o BC, corretamente, prezando a estabilidade financeira, elevará os juros. Também há um efeito secundário sobre a inflação com a desvalorização cambial. Há um terceiro fator, que é a alta de juros nos demais mercados emergentes e nos Estados Unidos, com um choque de liquidez global. Há uma relação entre a nossa taxa de juros de mercado, a Selic e as taxas lá fora. É prudente para o BC perceber que o jogo mudou. Não é ideal que aumente juros no momento em que o crescimento da economia ainda é lento e frágil, mas é isso que terá de fazer para evitar inflação e preservar a estabilidade financeira.

Qual sua projeção para o câmbio após as eleições?

Acho que a dinâmica de risco terá dois momentos. O vencedor das eleições vai responder ao que o mercado está fazendo. Acho bastante provável que ocorra pressão sobre o câmbio durante o processo eleitoral, mas, quando o pleito acabar, os prêmios estarão altos e vão incentivar o eleito a  conversar com o mercado e a sinalizar que tentará encaminhar as reformas necessárias, e que também preza pelo controle da inflação. Por isso, acredito que o próximo presidente e sua equipe econômica devem sinalizar ao BC que pode aumentar juros para demonstrar compromisso com o regime de metas para a inflação. Daí nossa previsão de que haverá alta de juros depois das eleições, e não antes.

A volatilidade está ligada ao fato de o ex-presidente Luiz Inácio da Silva figurar no topo das intenções de voto e o candidato do mercado, Geraldo Alckmin, não decolar?

Alckmin aposta que o maior tempo que terá na TV vai mudar essa dinâmica. As propagandas na TV só começam em 31 de agosto. Se a tese se confirmar, o mercado, na medida em que tem essa preferência, pode ter uma reação positiva. Mas as candidaturas que estão despontando nas pesquisas não estão abertamente propondo uma pauta econômica que seja contra o que o mercado considera necessário. Os candidatos competitivos reconhecem a gravidade da crise fiscal brasileira e que alguma coisa deve ser feita.

Mas qual é a preocupação do mercado?

É difícil para o mercado entender a viabilidade da estratégia desses candidatos no Congresso. O Alckmin vem com uma base grande pela coligação que tem, mas os outros, não. A dúvida é sobre a capacidade de um candidato conseguir aprovar  medidas que são difíceis e impopulares no primeiro ano de governo, quando o capital político do recém-eleito é alto. Nada acontece no Congresso antes de março. É necessário eleger os presidentes da Câmara, do Senado e das comissões. Tem todo um processo. Você está falando até maio para alguma coisa ser questionada. É bastante complicado esse período de espera. Aí, o mercado começa a ficar nervoso.