Valor Econômico/SP - 21 de setembro de 2018
Para economista, correlação entre moedas de emergentes e real mostra que incerteza eleitoral pesou menos
A desvalorização do real neste ano está relacionada principalmente a fatores externos, e não às incertezas causadas pelas eleições, segundo estudo do economista Armando Castelar, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Na visão de Castelar, o comportamento do câmbio no Brasil tem seguido uma tendência semelhante à de uma cesta de moedas de países emergentes em relação à moeda americana. Isso sugere que a trajetória do real está muito mais ligada a uma mudança do cenário internacional, ocorrida a partir do segundo trimestre.
A comparação do Ibre usa uma cesta de moedas de México, China, Taiwan, Coreia do Sul, Cingapura, Hong Kong, Malásia, Tailândia, Filipinas, Indonésia, Índia, Israel, Arábia Saudita, Rússia, Argentina, Venezuela, Chile e Colômbia, além do próprio Brasil. A partir de meados de março, as moedas dos emergentes tiveram uma depreciação forte, movimento que não se restringiu ao real, destaca Castelar, coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV. Ocorreu antes da greve dos caminhoneiros, iniciada em maio, e do posterior enfraquecimento do governo Michel Temer, observa ele.
Em apresentação na sede do Valor, Castelar ressaltou que a "desvalorização do real é de quase três vezes a desvalorização da média ponderada das moedas dos países emergentes, mas a dinâmica é bastante semelhante". A moeda brasileira oscila mais em razão da maior liquidez do mercado brasileiro.
Castelar enfatiza a mudança no cenário internacional a partir do segundo trimestre do ano. "Câmbio e risco-país sempre andam muito juntos. Os anos de 2016 e 2017 foram muito bons para os emergentes. O risco-país do Brasil na virada de 2017 para 2018 estava mais ou menos onde estava quando tínhamos o grau de investimento", lembra ele. "O ano virou com otimismo tanto em relação ao cenário externo quanto ao doméstico, com expectativa de crescimento de 3% para o PIB."
O risco Brasil e o risco dos emergentes medidos pelo contrato de swap de default de crédito (CDS, na sigla em inglês, uma espécie de seguro contra calotes) de cinco anos mostram evolução semelhante entre si, destaca o economista. "Desde janeiro de 2016, houve uma evolução muito favorável para o risco dos emergentes, mas no mesmo período que virou para o Brasil virou para o resto dos emergentes", diz o economista.
"Se tivesse virado por causa das eleições, seria muito difícil explicar por que todos os emergentes viraram mais ou menos na mesma época, com ritmo bastante semelhante ao do Brasil." Mesmo que haja questões nacionais de Argentina, Turquia, Brasil, Indonésia ou África do Sul, o comportamento do risco-país dos emergentes foi muito parecido, nota Castelar.
No Brasil, pondera ele, o risco país subiu um pouco mais em relação ao dos demais emergentes com a greve dos caminhoneiros, mas isso foi devolvido depois. "A diferença parece muito pequena para se atribuir o que acontece com o risco-país a algo específico ao Brasil, em vez de a todos os emergentes. Nesse sentido, acreditamos que haja atenção demais à incerteza eleitoral. Isso só aumentou nas últimas semanas, mas não aumentou o risco desde então."
Na virada de 2016 para 2017, recorda Castelar, as expectativas eram muito ruins por causa da vitória de Donald Trump nas eleições americanas. "Mas acabou que foi um ano excelente para o mundo e para os emergentes. Havia um risco político na Europa, eleições na França, se falava em acabar com o euro, logo na sequência do Brexit [a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia]. Também havia preocupação com a China, que acabou crescendo mais que a meta." O ano terminou com o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevendo crescimento para quase todos os países do mundo.
O cenário foi muito favorável aos emergentes durante quase todo o primeiro trimestre de 2018, com o dólar se enfraquecendo e as commodities subindo. Houve então a piora a partir do segundo trimestre. Em abril, por exemplo, os juros dos títulos do Tesouro americano de dez anos atingiram 3% anuais pela primeira vez em quatro anos.
Para os emergentes, houve uma deterioração no cenário internacional com a percepção de redução dos estímulos monetários, com os juros em alta nos EUA, por exemplo. No fim do primeiro trimestre, houve também frustração com o ritmo de retomada fora dos Estados Unidos. "Os números da Europa decepcionaram e a desalavancagem financeira da China começou a se refletir um pouco mais em termos de atividade. Também começou a guerra comercial e uma grande expectativa de que isso pudesse enfraquecer o crescimento." O diferencial de crescimento entre os EUA e a Europa ajudou a fortalecer o dólar, diz o economista. A repatriação de lucros incentivada pela reforma tributária americana colocou cerca de US$ 1 trilhão nos Estados Unidos, o que também elevou a demanda pela moeda americana. "O resultado foi um dólar que subiu muito num momento de aversão ao risco de emergentes."
Nas últimas semanas, porém, o humor externo mudou um pouco. Nos EUA já um debate sobre se o que o Fed indica que fará está totalmente embutido nos preços. De qualquer forma, o dólar mais forte deve baixar o preço dos bens industriais nos Estados Unidos, e ficou mais claro que a batalha comercial dos EUA está centrada na China, não sendo algo generalizado, diz ele. Há, com isso, a possibilidade de que o pior para os emergentes tenha ficado para trás, pelo menos no curto prazo.
Para economista, correlação entre moedas de emergentes e real mostra que incerteza eleitoral pesou menos
A desvalorização do real neste ano está relacionada principalmente a fatores externos, e não às incertezas causadas pelas eleições, segundo estudo do economista Armando Castelar, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Na visão de Castelar, o comportamento do câmbio no Brasil tem seguido uma tendência semelhante à de uma cesta de moedas de países emergentes em relação à moeda americana. Isso sugere que a trajetória do real está muito mais ligada a uma mudança do cenário internacional, ocorrida a partir do segundo trimestre.
A comparação do Ibre usa uma cesta de moedas de México, China, Taiwan, Coreia do Sul, Cingapura, Hong Kong, Malásia, Tailândia, Filipinas, Indonésia, Índia, Israel, Arábia Saudita, Rússia, Argentina, Venezuela, Chile e Colômbia, além do próprio Brasil. A partir de meados de março, as moedas dos emergentes tiveram uma depreciação forte, movimento que não se restringiu ao real, destaca Castelar, coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV. Ocorreu antes da greve dos caminhoneiros, iniciada em maio, e do posterior enfraquecimento do governo Michel Temer, observa ele.
Em apresentação na sede do Valor, Castelar ressaltou que a "desvalorização do real é de quase três vezes a desvalorização da média ponderada das moedas dos países emergentes, mas a dinâmica é bastante semelhante". A moeda brasileira oscila mais em razão da maior liquidez do mercado brasileiro.
Castelar enfatiza a mudança no cenário internacional a partir do segundo trimestre do ano. "Câmbio e risco-país sempre andam muito juntos. Os anos de 2016 e 2017 foram muito bons para os emergentes. O risco-país do Brasil na virada de 2017 para 2018 estava mais ou menos onde estava quando tínhamos o grau de investimento", lembra ele. "O ano virou com otimismo tanto em relação ao cenário externo quanto ao doméstico, com expectativa de crescimento de 3% para o PIB."
O risco Brasil e o risco dos emergentes medidos pelo contrato de swap de default de crédito (CDS, na sigla em inglês, uma espécie de seguro contra calotes) de cinco anos mostram evolução semelhante entre si, destaca o economista. "Desde janeiro de 2016, houve uma evolução muito favorável para o risco dos emergentes, mas no mesmo período que virou para o Brasil virou para o resto dos emergentes", diz o economista.
"Se tivesse virado por causa das eleições, seria muito difícil explicar por que todos os emergentes viraram mais ou menos na mesma época, com ritmo bastante semelhante ao do Brasil." Mesmo que haja questões nacionais de Argentina, Turquia, Brasil, Indonésia ou África do Sul, o comportamento do risco-país dos emergentes foi muito parecido, nota Castelar.
No Brasil, pondera ele, o risco país subiu um pouco mais em relação ao dos demais emergentes com a greve dos caminhoneiros, mas isso foi devolvido depois. "A diferença parece muito pequena para se atribuir o que acontece com o risco-país a algo específico ao Brasil, em vez de a todos os emergentes. Nesse sentido, acreditamos que haja atenção demais à incerteza eleitoral. Isso só aumentou nas últimas semanas, mas não aumentou o risco desde então."
Na virada de 2016 para 2017, recorda Castelar, as expectativas eram muito ruins por causa da vitória de Donald Trump nas eleições americanas. "Mas acabou que foi um ano excelente para o mundo e para os emergentes. Havia um risco político na Europa, eleições na França, se falava em acabar com o euro, logo na sequência do Brexit [a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia]. Também havia preocupação com a China, que acabou crescendo mais que a meta." O ano terminou com o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevendo crescimento para quase todos os países do mundo.
O cenário foi muito favorável aos emergentes durante quase todo o primeiro trimestre de 2018, com o dólar se enfraquecendo e as commodities subindo. Houve então a piora a partir do segundo trimestre. Em abril, por exemplo, os juros dos títulos do Tesouro americano de dez anos atingiram 3% anuais pela primeira vez em quatro anos.
Para os emergentes, houve uma deterioração no cenário internacional com a percepção de redução dos estímulos monetários, com os juros em alta nos EUA, por exemplo. No fim do primeiro trimestre, houve também frustração com o ritmo de retomada fora dos Estados Unidos. "Os números da Europa decepcionaram e a desalavancagem financeira da China começou a se refletir um pouco mais em termos de atividade. Também começou a guerra comercial e uma grande expectativa de que isso pudesse enfraquecer o crescimento." O diferencial de crescimento entre os EUA e a Europa ajudou a fortalecer o dólar, diz o economista. A repatriação de lucros incentivada pela reforma tributária americana colocou cerca de US$ 1 trilhão nos Estados Unidos, o que também elevou a demanda pela moeda americana. "O resultado foi um dólar que subiu muito num momento de aversão ao risco de emergentes."
Nas últimas semanas, porém, o humor externo mudou um pouco. Nos EUA já um debate sobre se o que o Fed indica que fará está totalmente embutido nos preços. De qualquer forma, o dólar mais forte deve baixar o preço dos bens industriais nos Estados Unidos, e ficou mais claro que a batalha comercial dos EUA está centrada na China, não sendo algo generalizado, diz ele. Há, com isso, a possibilidade de que o pior para os emergentes tenha ficado para trás, pelo menos no curto prazo.