Agência Senado - 26/11/2019
Representantes do governo e especialistas que participaram de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) discordaram sobre os efeitos das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que integram o Plano Mais Brasil: as PECs 186/2019, 187/2019 e 188/2019. A audiência desta segunda-feira (25) foi proposta pelo presidente da comissão, senador Paulo Paim (PT-RS).
As matérias fazem parte do conjunto de medidas econômicas encaminhadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, com a justificativa de descentralizar, desindexar e desvincular o Orçamento da União. Ainda conforme o governo, as PECs estimulam o ajuste fiscal, tanto da União como dos estados e municípios.
O diretor de Programa da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Bruno Funchal, disse que o pacote é um complemento à agenda econômica do governo, ao revisar o modelo fiscal da Federação. Ele criticou o nível de gastos públicos e o excesso de despesas obrigatórias e disse que as iniciativas têm três pilares: flexibilização das despesas, melhoria da situação fiscal da União, estados e municípios e a redistribuição dos recursos entre os entes. Para ele, com as PECs, os gestores terão mais liberdade para fazer investimentos. Ele sublinhou o novo modelo de distribuição de recursos obtidos pela exploração de petróleo do pré-sal.
— Então você tem a distribuição de recursos de uma magnitude significativa, algo em torno de R$ 400 bilhões, entre 15 e 20 anos, e com esse pilar a gente procura resolver diversas pendências passadas, com disputas entre a União e entes federados, e reparte recursos que são da sociedade, recursos de petróleo, que são de todo mundo — disse.
"Orçamento sem povo"
O consultor da Confederação Nacional de Municípios (CNM) Eduardo Stranz, criticou o dispositivo da PEC 188/2019 que extingue municípios com menos de 5 mil habitantes e que não arrecadem 10% de sua receita por meio de três impostos (ISS, IPTU e ITBI). Ele argumentou que há uma incompreensão do governo ao considerar uma base tributária urbana, quando muitas localidades conseguem se desenvolver economicamente por meio da produção agrícola. Ele ressaltou que, entre os mais de 5 mil municípios brasileiros, 4.586, incluindo capitais, não atingem a meta de 10% de arrecadação própria. Para a CNM, não se pode avaliar a viabilidade de uma cidade apenas por um indicador financeiro, e sim, deve-se levar em consideração a qualidade de vida da população de cada localidade.
— Não é um limite de 10% de sua arrecadação dos impostos próprios que indicará se ele é viável ou não. A discussão tem que se dar pela qualidade de vida destas populações, o que elas estão recebendo de serviços públicos e o bem-estar social. Acreditamos que nestas pequenas cidades a qualidade de vida é bem melhor que nas grandes metrópoles — alertou.
Assessor técnico da Câmara dos Deputados, Flávio Toneli Vaz ressalva a tramitação das PECs se constitui em uma "fraude do sistema legislativo", por terem sua tramitação iniciada no Senado. Ele ressaltou que as matérias de iniciativa do Poder Executivo têm a discussão iniciada na Câmara dos Deputados por previsão constitucional. Ainda de acordo com Flávio Vaz, a PEC 118, que segundo o governo, tem o objetivo de desvincular, desobrigar e desindexar o Orçamento da União, na verdade, não representa uma premissa verdadeira. Para ele, a proposta desvincula recursos direcionados à garantia de direitos e gastos sociais, e por outro lado, faz uma grande indexação dos recursos ao pagamento da dívida pública.
— Ela cria um Orçamento sem povo, sem direitos do povo. Essa é a grande questão. Chegam ao limite de dizer que: uma lei que estabeleça um programa social ou um direito só vale enquanto houver orçamento. Se por exemplo, o governo, por acaso, vetar no Orçamento o dinheiro da creche ou ele não for possível, a lei que garante creche perde a eficácia — exemplificou.
"Desmonte do Estado"
A concordância sobre o diagnóstico do desequilíbrio fiscal e a necessidade do seu ajuste, segundo o Diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, é quase que unânime. Entretanto discordou dos instrumentos adotados pelo governo Bolsonaro para alcançar o objetivo. Os impactos ou sacrifícios, avaliou, ele devem ser distribuídos proporcionalmente à capacidade de cada um. O que não se consta nas propostas apresentadas pelo Poder Executivo, afirmou.
Para ele, aprovadas da forma como estão, as PECs trarão o desmonte do Estado, a desorganização administrativa, a fragilização dos serviços públicos, a quebra da isonomia, a priorização da dívida pública e despesas financeiras. Também trarão como consequência o aprofundamento da rigidez do teto de gastos, além de mudanças no pacto federativo com a cooptação financeira imediata e condicionada dos outros segmentos porque.
— Dizem que vai se transferir recursos para estados e municípios, mas vai se apresentar tanta contrapartida que certamente esse volume de recurso não será suficiente para atender a essas políticas públicas, a essas responsabilidades que serão transferidas e o Executivo, portanto, se exime disso — acrescentou.
Condicionantes
O assessor jurídico da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Filipe Aguiar de Barros, disse que o pacote do governo é passível de mudanças e a equipe do governo já está em contato com os relatores das matérias para colaborar com os ajustes. A ideia de somar os valores do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) dos pequenos municípios a serem fundidos, como consequência da extinção de um deles, por exemplo, foi bem recebida pelo Ministério da Economia, disse o representante do governo.
Já as condicionantes para que estados e municípios tenham acesso a novos recursos ou linha de crédito, como a questão da compensação da Lei Kandir, a revogação da linha de crédito especial de precatórios e o fim das disputas judiciais sobre o tema foram defendidas por Barros como mecanismo de extinguir a irresponsabilidade fiscal dos entes federados.
— Todas essas condicionalidades nós entendemos que são realmente o coração da proposta. A União não vai mais dar recurso aos entes estimulando a irresponsabilidade fiscal. As transferências serão sempre com condicionalidades e com reconstrução do Pacto Federativo. Não temos mais como continuarmos nesse ambiente de litígio entre entes em que todos os dias chegam às portas do Supremo (STF) ações dos estados, por exemplo, contra a execução de contra garantias pela União — afirmou.
Legislação trabalhista
Para o Procurador do Trabalho e Secretário de Relações Institucionais do Ministério Público do Trabalho (MPT), Márcio Amazonas Cabral de Andrade, as mudanças na legislação trabalhista promovidas pela Medida Provisória (MP) 905/2019, que institui o contrato de trabalho Verde e Amarelo, retiram direitos sociais e representam prejuízo para a classe trabalhadora, ao alterar 135 artigos da CLT. Entre os itens considerados inconstitucionais ele enumerou a diminuição do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), de 40% para 20% no caso de demissão, a redução da multa em caso de demissão sem justa causa e mudanças nas regras relativas ao repouso semanal remunerado.
O procurador também discordou do dispositivo que Institui o Conselho do Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional sem a participação das representações dos trabalhadores. Para ele, a medida representa um ataque a fiscalização do trabalho e aos poderes do Ministério Público do Trabalho e vai contribuir ainda mais com o aumento do índice de acidentes e mortes em decorrência de descumprimento da legislação trabalhista.
— Entre 2012 e 2018 houve 4,5 milhões de acidentes do trabalho. 740 mil acidentes com cortes ou lacerações. 610 mil acidentes com fraturas, 40 mil acidentes com amputações e 16,5 mil acidentes com mortes no Brasil. Dados recolhidos do trabalho forma, imagine a subnotificação — informou.
Durante a fala do procurador, o senador Paulo Paim, que conduzia o debate, registrou que quase 2 mil emendas foram apresentadas à medida provisória. Segundo ele, o número representa um recorde de sugestão de mudanças no texto original em toda história da República.
Entre outras mudanças, a MP cria uma modalidade de contratação destinada à criação de novos postos de trabalho para as pessoas entre 18 e 29 anos, para fins de registro do primeiro emprego em Carteira de Trabalho e Previdência Social, limita a contratação total de trabalhadores na modalidade Contrato de Trabalho Verde e Amarelo a 20% do total de empregados da empresa, permite a contratação de trabalhadores com salário-base mensal de até um salário-mínimo e meio nacional.
Pacote
A PEC batizada como Emergencial, é a 186/2019. Ela estabelece um gatilho para contenção de gastos públicos. Para isso, prevê, entre outras medidas, a redução da jornada do serviço público com redução de vencimentos, suspensão de promoções, vedação de novas despesas obrigatórias e proibição de concursos. Caso seja verificado desequilíbrio nos indicadores da regra de ouro no Orçamento da União, haverá a adoção de um regime emergencial, com duração de dois anos, com adoção automática de uma série de medidas para conter o crescimento das despesas obrigatórias e a expansão das despesas discricionárias, em especial do investimento público em obras de infraestrutura.
Já a PEC 187/2019, batizada de PEC da Revisão dos Fundos, prevê a extinção de fundos públicos e a destinação de cerca de R$ 220 bilhões, destinados a áreas específicas, para ajudar a pagar a dívida pública. O dinheiro está em 248 fundos infraconstitucionais. Os recursos desvinculados deverão ser repassados aos entes a que estiverem ligados os fundos O texto prevê a elaboração de lei complementar para criar fundos públicos e extingue os que não forem ratificados até o final do segundo exercício financeiro subsequente à sua promulgação.
A terceira PEC é a 188/2019, chamada de PEC do Pacto Federativo. Além de extinguir os pequenos municípios, estabelece novas regras para a distribuição de recursos obtidos com a exploração de petróleo do pré-sal, estabelecendo condicionantes aos entes federativos. A PEC também prevê a unificação dos gastos mínimos em educação e saúde. O texto altera 24 artigos das Constituição e quatro do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, além de acrescentar novos dispositivos ao texto.