Quem lembra do cenário que se estabeleceu durante os dois últimos anos do primeiro mandato do governo Lula, dos ásperos argumentos da oposição na sua disputa de poder, fica embasbacado com a operação que o presidente conseguiu articular para contornar e, literalmente, baixar a temperatura política de modo a permitir que possa fazer um segundo mandato que firme o seu nome na história do País. As condições estarão dadas a partir do sucesso da política de equilíbrio de forças (equilíbrio pela ponderação) que se expressará na reforma ministerial. Lula tem sido magistral nesta costura política a ponto de não se ter muita certeza de que existe uma oposição de fato ao seu governo.
Mas só a capacidade de articulação política não é garantia suficiente para o bom resultado de um governo. É necessário também ter capacidade de gerir, de operacionalizar as decisões do consenso que unifica essa coalizão que irá governar. É na integração entre a decisão política e da sua implementação, como ação que vai encontrar apoiadores e resistências no caminho da sua construção, que veremos se o governo terá a capacidade de constituir um novo consenso pragmático. Aquele tipo de consenso que, nascido da decisão política, se transforma numa prática que se mostre, em fim, capaz de mobilizar em cada cidadão o sentimento de motivação, de dedicação e de participação na construção desse modelo de sociedade concebido.
O setor público, nascido historicamente da necessidade de acomodar a gerência dos negócios dos impérios e as vicissitudes das suas nobrezas, passou por uma readequação no regime Republicano, mas não perdeu na integralidade os vícios do Absolutismo. Embora o serviço público seja "o instrumento" da sociedade democrática para materializar as suas decisões políticas, acabou, em alguns momentos da sua história, por se deixar levar pelo lado negativo do poder. A autoridade passou, para alguns servidores públicos, a ser entendida como a mesma forma de prerrogativa que os nobres entendiam que possuíam. Estes por nascerem nobres, aqueles por serem providos, pelos mecanismos legais, do poder do império.
Esperamos que o processo pedagógico que a história nos proporciona, e que tem nos ensinado que é na diversidade democrática que se decide, e na unidade que se implementa as decisões, possa ser a inspiração de mover ações tanto da administração pública quanto da privada. São várias as experiências bem sucedidas de gestão participativa, em que todos os atores das decisões podem se comprometer com a protagonização da operação. Para que a Receita Federal do Brasil estruturada pela vontade política participativa seja um projeto exitoso, temos que desenvolver a capacidade de dar vida a uma nova forma de ação pública: que tenha a capacidade de virar, definitivamente, a página absolutista da sua história, deixando claro que os príncipes e a natureza da sua autoridade não existem mais. A democracia pode até fazer uso da força, mas não tem nela a sua essência.
Buscar criar um mecanismo de diálogo com os seus servidores para constituir, politicamente, qual é a melhor forma de operacionalizar a missão que foi delegada pela sociedade e, também, chamar à sociedade para que acompanhe de perto o cumprimento desta missão, são misteres que devem ser cumpridos por obrigação de ofício de quem assimilou o espírito do desafio que se coloca para a Receita Federal do Brasil hoje: contribuir com a construção de uma sociedade justa, livre e solidária.
José Antonio Dias Toffoli é empossado advogado-geral da União