O movimento sindical, especialmente as centrais sindicais, passará por um grande teste no governo da presidente Dilma Rousseff, tanto na forma de relacionamento, que tende a ser mais formal e institucional, quanto no tratamento a ser dado aos trabalhadores do setor privado e da área pública, com maiores problemas em relação a estes.
A forma de relacionamento, ainda que as instâncias de participação e canais de diálogos permaneçam abertas e a Secretaria-Geral da Presidência da República continue como principal interlocutora dos movimentos sociais, inclusive o sindical, será diferente em vários aspectos da praticada durante o governo Lula.
O primeiro aspecto a registrar é que o acesso à presidente da República será bem menos frequente e mais formal do que foi no governo Lula.
O segundo ponto a chamar a atenção é que os pleitos terão que ser muito bem fundamentados, tanto no que diz respeito aos aspectos sociais, quanto econômicos e orçamentários.
O terceiro aspecto é que os debates e negociações com vistas à formulação de políticas públicas no mundo do trabalho (setor público e privado) serão sempre mediados pelo Parlamento ou pela Secretaria-Geral da Presidência da República, o órgão encarregado da interlocução com os movimentos sociais.
Quanto aos trabalhadores do setor privado, o cenário é de relativa tranquilidade, seja porque a economia tende a continuar crescendo e gerando emprego, seja porque não existe no horizonte qualquer risco de retrocesso nas relações de trabalho, como supressão ou flexibilização de direitos. Até mesmo na questão da previdência, se houver reforma, será para as próximas gerações, para trabalhadores ou servidores públicos que ingressarem no mercado de trabalho após a alteração constitucional.
A tendência é que o governo, ainda que parcialmente, atenda ou apóie algumas reivindicações dos trabalhadores do setor privado, como a amenização do fator previdenciário, a constitucionalização da licença-maternidade de seis meses, a punição exemplar de empregadores que praticam trabalho escravo ou análogo, a ampliação da estabilidade do dirigente sindical, entre outros.
O exemplo do salário mínimo fugiu à regra geral. O governo, que já tinha um acordo assinado com as centrais sindicais sobre o tema, preferiu não reabrir as negociações e utilizar aquela votação como efeito de demonstração, passando para a sociedade e o mercado a percepção de unidade e controle sobre sua base política e parlamentar.
Poderá, igualmente, ser classificado como exceção à regra também o caso de correção da tabela do imposto de renda, que o governo parece disposto a fixar por medida provisória, no percentual de 4,5%. A alegação é que já teria sido negociada a correção, mas o percentual seria igual à meta de inflação. As centrais, naturalmente, podem e devem contestar esse suposto acerto, até porque defendem outro percentual de correção.
Já em relação aos servidores federais dos três poderes, mesmo mantida a mesa permanente de negociação, o potencial de conflito é enorme, por força do ajuste e do choque de gestão em curso na Administração Pública.
O primeiro ponto potencial de conflito está relacionado com a não previsão de reajuste no salário dos servidores em 2011. Só haverá atualização para aqueles que já têm lei aprovada com parcela a receber ou aqueles cujos projetos prevendo algum tipo de beneficio tenham sido enviados ao Congresso até 31 de agosto de 2010.
O segundo ponto potencial de conflitos diz respeito aos cortes setoriais a serem anunciados brevemente, da ordem de R$ 50 bilhões, com a definição das áreas e setores que serão afetados. Isso poderá levar à suspensão de concursos e até adiamento da admissão de pessoas já concursadas.
O terceiro ponto potencial de conflito será a eventual prioridade do governo aos projetos elaborados e enviados ao Congresso durante o PAC-1, como o PLP 1/07, que restringe a despesa com pessoal; o PL 1.992/07, que trata da previdência complementar do servidor; e o PLP 92/07, sobre fundações estatais.
Se, eventualmente, for incluído entre as prioridades do Poder Executivo o projeto que autoriza a dispensa por insuficiência de desempenho na União, estados e municípios, o PLP 248/98, a guerra entre servidores e governo estará instalada.
É verdade que existem outros pontos de interesse dos servidores, como a regulamentação da negociação coletiva, o direito de greve, a instituição da aposentadoria especial do servidor ou até a revisão de critérios para aposentadoria por invalidez, mas que dificilmente compensarão o desgaste da eventual aprovação dos projetos listados nos parágrafos anteriores.
Alguém pode imaginar que em todo início de governo sempre há anúncios de cortes e contenção de despesas, assim como proposta de mudanças na gestão, mas nunca são levados a efeito. Podem pegar como exemplo o governo Lula, que fez uma dura reforma da Previdência, mas depois fez grandes concessões aos servidores.
Não nos iludamos. O governo Dilma não será igual ao governo Lula nas questões de gestão nem na relação com os servidores. O ex-presidente só recebeu apoio de modo incondicional dos movimentos sociais, na crise de 2005, o que o motivou a mudar sua política em relação a muitos campos, inclusive em relação aos servidores públicos.
Se o movimento sindical não criar canais de interlocução e der força aos integrantes do governo que defendam os servidores nas disputas internas, a relação entre servidores e governo será muito hostil, especialmente se os projetos elaborados no PAC-1 sobre as categorias forem incluídos entre as prioridades legislativas do governo.
(*) Antônio Augusto de Queiroz -Jornalista, analista político, diretor de Documentação do Diap e autor dos livros “Por dentro do processo decisório - como se fazem as leis e “Por dentro do Governo – como funciona a máquina pública”.