ISTO É DINHEIRO - 24 de outubro
Com arrecadação recorde de R$ 705,5 bilhões até setembro, a Receita Federal fecha o cerco a empresas para garantir o caixa em 2012.
Por Guilherme Queiroz
As chamadas receitas extraordinárias, resultantes de decisões judiciais ou de pagamentos antecipados de dívidas, ajudaram a turbinar o caixa da Receita. Só o chamado “Refis da Crise”, o programa de refinanciamento de débitos tributários aprovado em 2009, já recolheu
R$ 12,8 bilhões. Também uma vitória no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a cobrança da CSLL dos produtos exportados pela Vale resultou em outros R$ 5,8 bilhões, pagos em junho. Em agosto, um depósito judicial da Caixa acrescentou mais R$ 2,8 bilhões aos cofres do Fisco. A questão agora é saber de que forma a Receita vai ser portar no ano que vem, quando haverá uma inevitável escalada nas despesas. A principal fonte de gastos vem do aumento do salário mínimo, que deve subir 14,5%. A correção segue a fórmula acordada entre governo e sindicatos da variação do PIB de dois anos atrás, mais o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Ou seja, o reajuste do mínimo em 2012 vai considerar a alta de 7,5% do PIB em 2010 – no total, a Previdência vai gastar R$ 24 bilhões a mais do que este ano para pagar a folha dos aposentados. “Temos um desafio muito grande pela frente, que é manter ou, no melhor dos cenários, elevar a arrecadação entre 2011 e 2012”, disse Zayda Manatta, secretária-adjunta da Receita, na quarta-feira 19. Por enquanto, os sinais são de que o Fisco terá mais trabalho para manter as receitas no ritmo deste ano em 2012, ainda mais com as incertezas no cenário econômico internacional. Os números mais recentes mostram arrefecimento no recolhimento de tributos como o IPI e a Cofins, refletindo a acomodação na atividade industrial. O governo dá sinais também de contar cada vez menos com as chamadas receitas extraordinárias. Em 2012, o Orçamento prevê R$ 18 bilhões em receitas extras, R$ 13 bilhões a menos do previsto para este ano.
Mas é diante de cenários como esse que o Leão costuma mostrar garras bem mais afiadas. Na crise de 2009, a Receita entrou em campo com um programa de fiscalização mais rígido sobre grandes empresas, que garantiu uma bolada adicional de R$ 55 bilhões.
Neste ano, a Receita colocou em marcha alguns projetos que diminuíram a margem de manobra dos devedores. Em março, ela reduziu de oito meses para um mês o tempo de cobrança de débitos. Com isso, intimou cerca de 440 mil empresas com R$ 6 bilhões em pendências fiscais, a prestarem contas ao Leão. Em agosto, mais uma engenharia criativa: um novo regime de malha fina para pessoas jurídicas foi lançado tentando fechar o cerco contra empresas que sonegarem. Só no primeiro semestre, foram arrecadados R$ 38 bilhões em operações de fiscalização que passaram a lupa nas contas de 9.259 companhias.
Trata-se de um aumento de 23,4% no valor recolhido, mesmo num universo 2,3% menor de empresas fiscalizadas. “A Receita vem fechando cada vez mais as brechas que permitiam às empresas fazer a chamada ‘economia tributária’”, diz João Elói Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). “Qualquer canal para elevar a arrecadação vai ser utilizado, até um contrabando numa medida provisória.” A ironia de Olenike se refere à emenda apresentada pela Receita Federal à MP nº 540, em tramitação na Câmara dos Deputados. A MP prevê medidas de estímulo à economia do Plano Brasil Maior, como a desoneração da folha de pagamento. O Fisco, porém, tentou incluir mudanças na lei tributária que, entre outras coisas, elevariam impostos das empresas.
Dentre as medidas perversas, estão a tributação do reinvestimento de lucros em aumento de capital e a taxação dos dividendos aos acionistas. “É um contrassenso, numa medida de desoneração criar uma forma enviesada de arrecadar”, disse à DINHEIRO o advogado tributarista Ives Gandra Martins. Trata-se, porém, de uma prática que não é tão incomum quanto parece, segundo o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. “Não é a primeira vez nem será a última”, afirma. “Mas sem transparência, tornou-se um truque. Isso compromete a relação entre o Fisco e o contribuinte”, afirma. O relator da MP, deputado Renato Molling (PP-RS), avisou que são mínimas as chances de acatar a emenda da Receita. “Incluir as emendas prejudicaria a proposta de garantir competitividade”, diz.