A cada dia fica mais evidente o distanciamento entre as decisões tomadas pela administração central da Receita Federal do Brasil (RFB) e a realidade nas unidades em todo o País, especialmente, nos pontos mais extremos como na fronteira seca.
No mesmo instante em que os administradores da RFB, confortavelmente instalados na Esplanada dos Ministérios, em Brasília/DF, protelam o quanto podem a convocação dos aprovados no último concurso para o cargo de Analista-Tributário, gestores de unidades regionais, como é o caso da 1º Região Fiscal, fazem todo o tipo de manobra para tentar manter um contingente mínimo de funcionários atuando em Inspetorias estratégicas como as de Mundo Novo e Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, responsáveis pela fiscalização na fronteira do Brasil com o Paraguai, e em Corumbá/MS, na divisa com a Bolívia.
Os servidores lotados nessas três Inspetorias da RFB formam a linha de frente no combate aos crimes de contrabando, pirataria, tráfico de drogas, armas e munições, em um dos pontos de fronteira mais complexos e frágeis do País. Mas, nem esse fato, que é amplamente conhecido e que já foi exaustivamente denunciado pelo Sindireceita no projeto Fronteiras Abertas e reproduzido por veículos de comunicação por todo o País, é capaz de sensibilizar os administradores da Receita Federal.
É lamentável o ponto que a administração do Órgão chegou. A distância entre o mundo em que vivem os administradores e a realidade não resiste nem mesmo aos comunicados internos da instituição. A Diretoria Executiva Nacional do Sindireceita teve acesso a um informe emitido por gestores da 1º Região Fiscal, que congrega o Distrito Federal e os estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins, que evidencia ainda mais o descaso e a distância entre as decisões tomadas nos gabinetes em Brasília e a dureza daqueles que convivem e tentam a todo custo manter, minimamente, as atividades de controle, vigilância e repressão aduaneira neste País. A mensagem do administrador é clara: “Tendo em vista que até o momento não ocorreu a posse dos novos auditores e analistas, bem como o fato de que as unidades de fronteira permanecem na mesma situação de insuficiência de pessoal para atender toda demanda relacionada ao controle de viajantes, comunicamos a decisão do Gab/SRRF01 de manter os deslocamentos para reforço nas IRF/Mundo Novo, IRF/Ponta Porã e IRF/Corumbá, até julho/2013, quando a continuidade dos deslocamentos será novamente reavaliada”.
Aos graves fatos narrados acima soma-se mais um. Para suprir a carência histórica de servidores que pertencem à carreira Auditoria, administradores da Receita Federal estão designando para ações de vigilância e repressão agentes e auxiliares administrativos. Até motoristas são escalados para execução do Programa de Vigilância e Repressão nessa faixa de fronteira que tem um papel estratégico para o controle aduaneiro no País. Na maioria dos casos, trata-se de servidores que atuam em setores administrativos e que não possuem nenhum treinamento específico para a realização de abordagem de veículos ou mesmo para fiscalização de mercadorias.
Ao determinar a presença de funcionário de outras áreas para a execução de atividades específicas de fiscalização, vigilância e repressão, a administração da Receita Federal revela ainda mais seu caráter corporativista. Esses gestores que designam servidores da área administrativa para execução de ações de fiscalização, repressão e vigilância aduaneira, são os mesmos que, a todo custo, tentam impedir a atuação do Analista-Tributário nas atividades específicas da Receita Federal.
Esses fatos não se limitam às unidades da 1º Região Fiscal. É histórica a falta de visão e de compromisso da administração da Receita Federal com o País. O que vemos no Órgão atualmente são servidores de diversos cargos que não pertencem à Carreira Auditoria realizando procedimentos de fiscalização e vigilância, situação clara de desvio de função. Os acórdãos do 1738/2005, 503/2008 e 1609/2012 do Tribunal de Contas da União trataram do desvio de função e visaram solucionar a questão dos empregados celetistas do Serpro, estagiários e servidores do PCC/PGPE, em atividade na RFB e em outros órgãos do Ministério da Fazenda, considerando os potenciais riscos ao erário, advindos de demandas judiciais por desvio de função, e à integridade dos sistemas da RFB, decorrentes do acesso irrestrito às informações e dados sigilosos. A citar alguns exemplos: Agentes de portaria atuam na fiscalização nos Aeroportos, servidores do SERPRO possuem perfis que permitem diversos acessos aos sistemas da Receita Federal, como CPF, CNPJ e outros.
Além do desvio de função na Receita Federal, também existem situações que buscam promover, ilegalmente, o subaproveitamento dos Analistas-Tributários, servidores que pertencem à Carreira Auditoria. Atividades administrativas como o controle de materiais de limpeza e consumo, de entrada e saída de documentos de um setor, de procedimentos de atendimento inicial de contribuintes e de outras atividades-meio são repassadas para Analistas-Tributários, fato que reforça as intenções corporativistas da administração.
Portanto, é preciso que fique claro que não há nenhuma possibilidade legal que resguarde a atuação de servidores que não pertencem à Carreira Auditoria da Receita Federal em procedimentos de fiscalização. Esses fatos se repetem graças às confusões da administração da RFB que edita normas infralegais para restringir a atuação dos Analistas-Tributários na fiscalização ao mesmo tempo que convoca servidores do SERPRO, auxiliares e agentes administrativos do Ministério da Fazenda, agentes de portaria e motoristas para participarem de ações de repressão e vigilância. Cada cargo aqui enumerado possui suas atribuições que, claramente, não estão relacionadas diretamente com a fiscalização. Se os Analistas-Tributários são paulatinamente afastados de suas atribuições de fiscalização pela falta de uma legislação clara, fato que permite a interpretação corporativista da administração, fica ainda mais evidente as reais intenções dos gestores que convocam servidores que não pertencem à Carreira Auditoria da Receita Federal do Brasil para participar dos grupos de repressão e vigilância.
Essas e outras situações motivaram o Sindireceita a criar a campanha “O Brasil não pode parar. Aduana 24 horas”. A Diretoria Executiva Nacional do Sindireceita seguirá denunciando todos os desmandos dos gestores do Órgão. Acreditamos que o caminho para tornar a Receita Federal um órgão de excelência passa, sem nenhuma dúvida, por tornar público atos que não dizem respeito apenas aos servidores que atuam na casa, mas que afetam diretamente a vida de cada cidadão deste País.
Vamos seguir mostrando as mazelas da instituição e cobrando as mudanças que consideramos ser necessárias para tornar a Receita Federal definitivamente um órgão do Estado Brasileiro. Nosso esforço será ainda maior neste momento em que iniciamos os debates sobre a definição das atribuições da Carreira Auditoria no Ministério do Planejamento. Entramos em uma fase decisiva da nossa história e cada Analista-Tributário é um agente de transformação dessa realidade. Colabore com a Diretoria Executiva Nacional do Sindireceita e envie relatos de desvio de função em sua unidade. Sua participação é fundamental. Estamos construindo juntos uma nova Receita Federal e uma administração tributária mais justa e eficiente.
Veja aqui uma análise da legislação que trata dos cargos que atuam na Receita Federal do Brasil.