Fonte: Agência de Notícias da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, em 4 de junho de 2014 (com adaptações)
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo, presidida pelo deputado Carlos Bezerra Júnior (PSDB), ouviu nesta quarta-feira, dia 4, a pesquisadora do NEPI da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Tânia Laky de Souza, que investiga o tráfico humano há 22 anos. A pesquisadora se embasou em dados do Sindireceita para expor seus argumentos contrários à prática.
"attachment_64968" align="aligncenter" width="300"] Deputado Carlos Bezerra Júnior (PMDB)"O Brasil faz divisa com dez países e não há prevenção alguma para a entrada de armas ou drogas. A polícia não está preparada para trabalhar com o tema do tráfico humano", destacou Tânia. A pesquisadora repassou à CPI dados apresentados pelo Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal, o Sindireceita, lidos pelo deputado Bezerra Jr.: 31 postos aduaneiros, com efetivo de apenas 596 funcionários, ou seja, 3% da força de trabalho da Receita Federal, que conta com 19 mil funcionários. Segundo o relato do sindicato, a vigilância das fronteiras é responsabilidade da Polícia Federal e das Forças Armadas, mas são apenas 23 postos oficiais de fiscalização.
"attachment_64971" align="aligncenter" width="300"] Tânia Teixeira Laky de Sousa, Carlos Bezerra Júnior e Marco AurélioTânia disse que o tráfico humano é invisível à sociedade brasileira, que, por questão cultural, reage diante desse crime com indiferença. Além de silencioso, esse crime é complexo porque "migração é direito, tráfico é crime".
Vulnerabilidade dos migrantes
A pesquisadora criticou o 2º Plano de Enfrentamento Nacional ao Tráfico de Pessoas, questionando a atuação dos agentes públicos nas fronteiras que fazem "vista grossa quando passa um carro cheio de bolivianos". Além disso, acentuou que, para se proteger uma pessoa do tráfico, ao sair do país ela não pode ter visto de turista, mas sim contrato de trabalho.
Ao abordar a questão da vulnerabilidade dos migrantes, a pesquisadora destacou que essa situação ocorre em sociedades capitalistas e as crises são cíclicas. "Hoje, na Europa, as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade são as originárias do leste europeu".
Tânia destacou, ainda, que a pessoa vítima de tráfico é vista como mercadoria. Serve à exploração sexual, e depois ao tráfico de drogas (mulas) e mesmo ao tráfico de órgãos, tecidos, cabelos. "Portanto, trata-se de um crime que rende anualmente 32 bilhões de dólares", afirmou, segundo dado da ONU.
No tocante aos migrantes sulamericanos que chegam ao Brasil em busca de trabalho análogo ao de escravo, a pesquisadora disse que essa onda migratória vai continuar e até aumentar, pois o Brasil é visto hoje como um país economicamente viável. Além do que, é sabido que bolivianos, principalmente, chegam ao Brasil, cientes da situação que enfrentarão, ou seja, trabalho das 7 às 21 horas e moradia precária. "Mas aqui eles têm três refeições e folga aos domingos", observou o deputado Marco Aurélio de Souza (PT).
"attachment_64969" align="aligncenter" width="300"] Leci Brandão e Marco Aurélio
Mudanças nas leis migratórias
À pergunta do deputado Carlos Bezerra Jr. sobre se a demanda do trabalho escravo estaria interrelacionada com o tráfico, Tânia afirmou que as políticas migratórias têm de ser mudadas de forma a acabar com a migração clandestina e a migração forçada.
"Se o Brasil pertence ao Mercosul, por que um latino-americano tem permanência legalizada por apenas três meses?", questionou, lembrando que a ilegalidade é uma porta aberta para que essa pessoa seja explorada. "Existe negligência e falta de preocupação por parte do Estado brasileiro", complementou o deputado Padre Afonso (PV), criticando a precária estrutura para cobrir as fronteiras.
No currículo da pesquisadora consta doutorado sobre tráfico internacional de mulheres " nova face de uma velha escravidão " em que ela relata entrevista feita com cem mulheres que se encontram em condição análoga ao de escravo, em quatro países: Portugal, Espanha, Itália e Holanda. À pergunta de Leci Brandão (PCdoB) sobre quantas dessas mulheres eram negras, a pesquisadora respondeu: 90%.
Participaram da reunião, além dos deputados citados, Hélio Nishimoto (PSDB) e Alex Manente (PPS).