Por Antônio Augusto de Queiroz
A condução inicial do processo de discussão da reforma da Previdência foi marcada por erros, tanto na fase de formulação, quanto na de negociação do conteúdo das mudanças, tendo melhorado a coordenação política apenas na fase final de votação em primeiro turno. Além de contrariar fortemente os servidores públicos, que esperavam mudanças para o aperfeiçoamento do sistema previdenciário, sem redução de direitos nem quebra de expectativa, faltou experiência e humildade aos operadores políticos do governo no trato com os servidores e com os aliados no Congresso, especialmente na fase inicial do processo. Se o Ministério da Previdência tivesse levado em consideração as recomendações do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social ou mesmo tivesse recebido as sugestões do senador Paulo Paim (PT/RS), certamente o desfecho teria sido menos traumático para governantes e servidores.
A opção inicial por um texto com viés fiscal, que, de um lado visava aumentar receita e, de outro, reduzir despesas com a previdência dos servidores públicos, sem maiores preocupações com relações contratuais e justiça social, foi uma derrota da área social do governo, que perdeu a disputa para a equipe econômica, interessada em agradar ao mercado e aos governadores, cujo objetivo era meramente fiscal.
O risco dessa opção política ficou evidente durante o processo de negociação e votação da matéria no Congresso, tendo quase causado uma crise institucional envolvendo o Judiciário. A reação do Poder Judiciário, de setores da base de sustentação e, sobretudo, dos servidores públicos diante da intransigência do Governo, resultou em ameaça de greve dos juízes e de duas grandes marchas de servidores públicos em Brasília. Não fosse a iniciativa do presidente da Câmara, estimulado pelo líder do Governo, de mediar uma reunião entre os três poderes, os ânimos teriam se acirrado ainda mais e certamente o Governo não teria aprovado sua proposta, ainda que com as concessões que fez.
O processo foi muito tumultuado, com o Governo tendo que substituir membros da base na Comissão de Constituição e Justiça e também na Comissão Especial para poder impor sua vontade naqueles órgãos colegiados. Esse método de substituir parlamentares demonstrou a incapacidade do governo de convencer sua base, tendo que apelar para troca de nomes nos momento de deliberação.
No plenário, onde não havia possibilidade de substituir parlamentares, a aprovação do texto em primeiro turno exigiu do Governo uma ampla operação política, que envolveu desde a utilização de inúmeros recursos de poder, inclusive liberação de emendas e compromisso de nomeação de aliados para postos-chave, passando pela mobilização dos governadores e da suspensão da viagem do presidente da República à África do Sul, até o apelo dramático aos partidos de oposição, sem o voto dos quais a proposta teria sido rejeitada, tanto na votação do texto base quanto na apreciação do destaque sobre contribuição de inativos.
O governo saiu vitorioso, mas correu muito risco. Caso a oposição não tivesse dado mais de 50 votos nas principais votações, o governo do presidente Lula estaria arruinado. As conquistas nos indicadores macro-econômicos, como redução do risco Brasil, equilíbrio cambial e queda na inflação, seriam todas anuladas numa eventual derrota, já que elas decorrem, em grande medida, da confiança dos mercados na capacidade do Governo de promover as reformas. Assim, ao propor uma reforma com um viés fiscal muito além do que esperava o mercado, o presidente Lula criou expectativas que não poderia atender apenas com os votos de sua base e, portanto, poderia ter inviabilizado seu Governo por imprudência.
Entretanto, já que historicamente defenderam reformas semelhantes, os partidos de oposição, resolveram facilitar a vida do governo. O PSDB, desde o primeiro momento, manifestou-se a favor da reforma em suas linhas gerais, tendo encaminhado a favor e evitado apresentar destaques em quase todos os pontos, inclusive no texto base do relator. O PFL, embora com discurso de oposição, votou dividido, tendo o grupo do presidente do partido, senador Jorge Bornhausen, votado contra, enquanto a ala majoritária, vinculada ao Senador Antônio Carlos Magalhães, que teve o apoio do governo no arquivamento do processo de cassação no caso dos grampos telefônicos na Bahia, apoiado incondicionalmente o governo.
O fato é que ? apesar dos atropelos, trapalhadas e falsas demonstrações de força do Governo ? a matéria foi aprovada em primeiro turno e tem a garantia, acordado no colégio de líderes, tanto da oposição quanto da situação de que não haverá destaques em segundo turno, ampliando significativamente a possibilidade de aprovação em segundo turno de forma rápida e sem mudanças, o que deverá acontecer no próximo dia 20 de agosto corrente.
Embora a votação em primeiro turno e a garantia de votação em segundo sem maiores problemas tenha sido um esforço coletivo do Governo, há cinco nomes nesse processo que tiveram papel importante: o ministro José Dirceu, que foi sensível aos apelos dos setores lúcidos da base o presidente da Câmara, que teve a iniciativa de pacificar os poderes e coordenar as negociações o líder do Governo na Câmara, pela permanente disposição para o diálogo e pela lucidez de alertar o Governo sobre os riscos de derrota, e também do relator, que agiu nesse processo de forma discreta, com muita humildade e paciência, sem qualquer vaidade ou estrelismo.
O resultado alcançado pelo Governo, portanto, foi produto de um processo político complexo, que envolveu, de um lado, o medo da oposição de vir a ser responsável por eventual derrota governamental, e, de outro, concessões do presidente da República e sua base no Congresso, que aprendeu rapidamente que isoladamente não possui votos suficientes para aprovar o que quiser e que precisa ter humildade e, principalmente, capacidade de diálogo. A seguir um resumo do texto aprovado:
COMO FICAM AS APOSENTADORIAS E PENSÕES PÓS REFORMA DA PREVIDENCIA:
- Aumento no valor do teto de contribuição e benefícios, que passará de R$ 1.869,00 para R$ 2.400,00 a partir da promulgação da Emenda
- Reestatização do seguro acidente de trabalho, que voltará a ser explorado exclusivamente pelo INSS, revogando o dispositivo a Emenda 20 que permitia a participação de seguradoras privadas nesse ramo
- Previsão que lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para trabalhadores de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário mínimo, exceto aposentadoria por contribuição.
- Filiação ao INSS dos futuros servidores contratados pela CLT ou pelo regime de emprego público.
Próprio de Previdência dos Servidores Públicos detentores de cargos efetivos - atuais pensionistas
- terão que contribuir com alíquota idêntica à dos ativos, na parcela da pensão que superar 60% do teto do INSS (R$ 1.440,00), no caso de servidores da União, e de 50% (R$ 1.200,00), nos casos de servidores estaduais e municipais
- estarão submetidos ao teto e subteto remuneratório, inclusive no caso de retribuições recebidas cumulativamente
- terão que contribuir, bem como seus pensionistas sobre a respectiva pensão, com alíquota idêntica à dos ativos, na parcela dos proventos que superar 60% do teto do INSS (R$ 1.440,00), no caso de servidores da União, e de 50% (R$ 1.200,00), nos casos de servidores estaduais e municipais
- estarão submetidos ao teto e subtetos remuneratórios, inclusive no caso de retribuições recebidas cumulativamente
- o valor das respectivas pensões será integral até o teto do INSS (R$ 2.400,00), acrescidos de 70% da parcela do provento que exceder a esse valor, no caso do servidor aposentado, e acrescidos de 70% da parcela da remuneração, no caso de servidor que falecer antes da aposentadoria, assegurada a paridade com os servidores em atividade
- terão que contribuir, quando aposentados, bem como seus pensionistas sobre a respectiva pensão, com alíquota idêntica à dos ativos, na parcela dos proventos que superar o limite do RGPS
- estarão submetidos aos teto e subtetos remuneratórios, inclusive no caso de retribuições recebidas cumulativamente
- o valor das respectivas pensões será igual ao da remuneração do servidor falecido, ou do teto do INSS, acrescido de 70% da parcela da remuneração que exceder a esse valor, ou acrescido de 70% da parcela do provento que exceder, no caso de servidor já aposentado.
- somente terão seus proventos integrais desde que tenham sessenta anos de idade se homem e cinqüenta e cinco anos de idade se mulher trinta e cinco anos de contribuição se homem e trinta anos de contribuição se mulher vinte anos de efetivo exercício no serviço publico e dez anos na carreira e cinco de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria
- mantêm, de forma expressa, apenas a vinculação de seus proventos com os reajustes gerais dos servidores ativos, ficando duvidoso o direito à extensão dos demais benefícios e vantagens
- se se aposentarem, na forma da transição prevista na EC nº 20, de 1998, antes dos 60 anos de idade (a partir dos 53 anos), se homem, ou 55 (a partir dos 48 anos), se mulher, terão uma redução de proventos de 5% por ano de idade inferior àqueles limites, até 35% além de tê-los calculados considerando as contribuições efetivamente feitas, inclusive ao RGPS e perdem o direito à vinculação entre ativos e inativos,
- perdem direito a se aposentarem proporcionalmente com 30 anos de contribuição, se homem, e 25, se mulher, na forma da transição prevista na EC nº 20, de 1998
futuros servidores
- terão os seus proventos calculados considerando as contribuições efetivamente feitas, inclusive ao RGPS
- se o respectivo ente federado instituir fundo de aposentadoria complementar terão as suas aposentadorias limitadas ao mesmo teto do RGPS (R$ 2.400,00), tendo, a partir daí, direito a contribuir para esses fundos
- terão que contribuir, quando aposentados, bem como seus pensionistas sobre a respectiva pensão, com alíquota idêntica à dos ativos, na parcela dos proventos que superar o limite do RGPS
- estarão submetidos aos teto e subtetos remuneratórios, inclusive no caso de retribuições recebidas cumulativamente
- o valor das respectivas pensões será igual ao da remuneração do servidor falecido, ou do teto do INSS, acrescido de 70% da parcela que exceder a esse valor, ou acrescido de 70% da parcela do provento, no caso de servidor já aposentado
- perdem direito à vinculação entre ativos e inativos
Antônio Augusto de Queiroz é assessor parlamentar do Sindtten e diretor do Diap
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