A cada dia que passa fica mais evidente o enfraquecimento de um dos órgãos mais importantes da administração pública. A Receita Federal do Brasil (RFB), cada vez mais, evidencia suas fraquezas internas. Nas últimas semanas, o Órgão voltou ao noticiário nacional em vários momentos. Todos de forma absolutamente negativa.
Uma decisão liminar da Justiça em São Paulo mostrou ao País a falta de eficiência da RFB ao determinar um prazo máximo de 120 dias para a conclusão e análise de procedimentos de reembolso, cancelamento, compensação, restituição e ressarcimento de tributos em processos envolvendo contribuintes do estado de São Paulo. Ainda que a decisão tenha caráter liminar, não há como negar o constrangimento imposto aos gestores da Instituição.
Também chamou a atenção da sociedade a existência de um grupo de auditores-fiscais que, segundo as denúncias apresentadas até o momento, teria utilizado a Instituição para montar um esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, baseado na venda de fiscalizações. Foi notícia ainda a condenação de outro auditor-fiscal pego em flagrante deixando a sede de uma empresa varejista carregando mais de R$ 50 mil em espécie. O processo contra o empresário e o auditor foi aberto na Justiça a pedido do Ministério Público Federal que denunciou ambos por crime de corrupção ativa e corrupção passiva, respectivamente.
Os fatos acima parecem não estar relacionados. Mas quem conhece a realidade interna da RFB sabe que por trás de episódios aparentemente distintos existem inúmeras conexões. Ao longo dos últimos anos, a RFB vem passando por várias mudanças. Muitas delas sutis, promovidas por atos administrativos que em sua grande maioria visam transformar competências do Órgão em atribuições privativas de auditores-fiscais. Um caminho que fragiliza cada dia mais a atuação da RFB.
Hoje, grupos internos se esforçam para eliminar uma das principais garantias do contribuinte e assim pavimentar o caminho da cooptação da Instituição. A extinção do Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), como muitos querem e trabalham para ver efetivado, representa um risco real de transformação da Receita Federal em um conjunto de unidades distintas com interesses múltiplos, onde cada fiscal age levado por interesses diversos. O MPF, como é conhecido, é um instrumento que antecede a fiscalização em empresas, por exemplo, e era emitido pelo chefe da Delegacia ou Inspetoria da RFB. O Mandado de Procedimento Fiscal, como o próprio nome indica, obriga o servidor a informar detalhadamente qual o objetivo e os limites da fiscalização que será realizada. Ou seja, é uma garantia ao contribuinte, uma barreira de contenção de abusos e, principalmente, um obstáculo à ilegalidade. Enquanto não alcançam seu objetivo principal, que é o fim do MPF, muitos já celebram a flexibilização desse instrumento obtida com a publicação da Portaria RFB 3.014 que entrou em vigor no dia 1º deste mês. A nova redação da Portaria amplia o rol de servidores autorizados a emitir o MPF, desta forma, em uma mesma agência, vários servidores poderão emitir o Mandado, ou seja, autorizar a execução de fiscalizações, fragilizando e dispersando o controle central do Órgão.
Aos fatos mais recentes somam-se outros como a fragilidade no controle de fronteiras já denunciado pelo Sindireceita. Aos poucos vai caindo a máscara da eficiência da Instituição, sustentada muitas vezes apenas em discursos que enaltecem os seguidos recordes de arrecadação fiscal. O Sindireceita vem alertando para esse grave quadro de degradação interna e para os reflexos negativos que a falta de eficiência do Órgão gera ao conjunto da sociedade. Agora, o País prepara-se para enfrentar um período de instabilidade na economia mundial e será preciso que a RFB dê respostas à sociedade. Medidas de desoneração tributária estão em andamento, ações de combate à concorrência desleal precisam sair do papel como forma de proteger os produtos nacionais, garantindo mais competitividade ao setor produtivo brasileiro. É neste cenário de incertezas que a RFB passará a atuar. A margem obtida nos últimos anos pelo aquecimento da economia pode ser reduzida revelando a real capacidade de atuação da RFB, que hoje vive às voltas com inúmeros problemas internos e externos.
O momento também é propício para reafirmarmos nossa convicção que a Receita Federal não pode deixar de ter um acompanhamento ampliado sobre o seu desempenho. É preciso que a sociedade organizada e o próprio governo se obriguem a zelar, de modo permanente e institucionalizado, pela moralidade e eficiência da administração tributária, que tem importância estratégica para o Estado. A adoção de um mecanismo de controle social sobre o Órgão representaria uma excelente arma em favor do desenvolvimento do País, contribuindo, inclusive, para minimizar os efeitos da crise mundial que se anuncia. Os problemas de gestão do Órgão, hoje ocultados pelos praticantes do corporativismo nocivo e disfarçados pelos sucessivos recordes de arrecadação, ficariam mais visíveis e seriam alvo de debates por grupo representativo de pessoas dotadas de conhecimento e experiência na área. Com isso, parcela mais representativa da sociedade certamente reforçaria a reivindicação por mudanças benignas.