Na semana passada, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) promoveu seminário internacional que teve como tema a questão da justiça fiscal. Nessa oportunidade, membros do governo, especialistas nacionais e internacionais em tributação e representantes de setores da sociedade civil expuseram e debateram sobre as características do sistema tributário nacional e sobre caminhos para a justiça fiscal. Esse evento, assim como outros fóruns que vêm se abrindo nos últimos anos sobre o tema, geram a sensação de que parte importante da sociedade organizada e do próprio governo têm despertado para a relevância, tanto no plano econômico quanto social, do esforço em prol de um sistema tributário que efetivamente respeite a capacidade contributiva do sujeito passivo e dotado de carga progressiva em função dessa capacidade. Boa parte dos expositores do evento apontaram as iniquidades do sistema atual, que têm como características predominantes uma alta carga sobre o consumo e uma baixa carga sobre o patrimônio e a renda, merecendo, por isso, o rótulo de sistema regressivo, ou seja, que onera mais os cidadãos de menor capacidade.
Entretanto, embora sempre que o tema da justiça fiscal está em pauta aborde-se também o problema da sonegação, o País ainda não despertou para a importância da correta e plena aplicação do sistema tributário. Poucos perceberam que o alto volume de créditos tributários não constituídos ou recolhidos, seja por evasão fiscal, elisão fiscal, ou por outros meios utilizados pelo contribuinte para não pagar os tributos devidos, representam o principal empecilho para a execução de mudanças na legislação tributária que tornem o sistema mais justo. Poucos perceberam que, somado a isso, a perversidade do sistema atual acaba tornando a discussão sobre o problema da evasão fiscal algo antipático ou indesejável. Medidas de combate à sonegação muitas vezes são enxergadas como um massacre sobre o contribuinte que não tem condições de cumprir corretamente com suas obrigações. Nesse contexto perverso, as empresas que não sonegam e que não se valem de pedidos de compensação fraudulentos não conseguem concorrer com aquelas que lançam mão desses expedientes. As operações “Paraíso Fiscal” e "Alquimia", deflagradas nas últimas semanas, representam um ótimo indicador do alto poder nocivo das práticas fraudulentas no campo tributário. Estima-se que dezenas de bilhões de reais deixaram de ser recolhidos aos cofres públicos em função dos esquemas de fraude desmontados por essas duas operações.
No entanto, tão ou mais grave que o problema da sonegação é o problema da falta de ação de cobrança por parte da Receita Federal do Brasil sobre os créditos tributários já constituídos, que têm resultado em um volume escandaloso de prescrições e homologações tácitas. Esse problema decorre principalmente da não análise dos pedidos de compensação e da rescisão tardia dos parcelamentos especiais (REFIS, PAES, PAEX, etc). O Sindireceita vêm, reiteradamente, chamando a atenção do governo para esse quadro. A ineficiência da Receita Federal do Brasil na análise de pedidos administrativos onera o bom contribuinte, que sofre com a excessiva demora na conclusão do seu processo, e beneficia o mau contribuinte, que deixa de recolher os tributos devidos por conta da prescrição ou homologação tácita. Bilhões de reais deixam de ser arrecadados todo ano por força dessas ocorrências.
O problema da fraude fiscal e da falta de ação da administração tributária é tão grave que leva o Sindireceita a afirmar que um trabalho eficiente da Receita Federal do Brasil elevaria significativamente os níveis de arrecadação tributária em nível federal e viabilizaria, com isso, reformas positivas na legislação, aproximando o País do ideal de justiça fiscal.
A adoção de um mecanismo de controle social sobre a administração tributária resultaria em um acompanhamento permanente e ampliado do seu desempenho e na proposição de medidas que viessem a solucionar os problemas hoje disfarçados pela aparência de total eficiência do Órgão com a divulgação dos recordes de arrecadação. Nesse sentido, o Sindireceita propõe a instituição de um conselho consultivo (Conselho de Política e Administração Tributária – Conpat) integrado por representantes do governo e de segmentos diversos da sociedade com poderes para requisitar informações sobre o funcionamento dos órgãos da administração tributária, respeitadas as normas de sigilo fiscal. A presença de representantes da sociedade nesse Conselho certamente resultaria na proposição de medidas que viessem a aperfeiçoar a relação fisco-contribuinte, evitando, por exemplo, o desgaste decorrente de medidas judiciais que determinem para o Órgão a obediência de prazos para conclusão da análise de processos, vide caso recente de Marília/SP. O acompanhamento do perfil dos casos de desvio de conduta cometidos por servidores contribuiria para a adoção de medidas preventivas que poderiam evitar mais ocorrências como a de Osasco/SP (Operação “Paraíso Fiscal”).
O Conselho de Política e Administração Tributária desempenharia um papel de destaque na transição entre a legislação tributária atual e uma legislação mais justa, que integrasse um sistema caracterizado por tributação progressiva associado a um eficiente trabalho de fiscalização e arrecadação. Tal instrumento de controle social permanente zelaria pela moralidade e eficiência da administração tributária e seria uma importante arma em favor de um Brasil maior, com justiça fiscal, menos concorrência desleal e mais distribuição de renda.