Clamor das ruas por melhores serviços públicos não é ouvido pelo Fisco. Quem precisa do órgão só encontra descaso
Apesar das reivindicações da sociedade por melhores serviços, expressas nas manifestações populares que acontecem desde junho, e da elevada arrecadação anual (R$ 1,092 trilhão em 2012), a Receita Federal (RF) continua prestando péssimo serviço ao cidadão. Quem precisa agendar uma consulta ao Fisco pela internet ou presencial é submetido a uma longa e estressante espera, e corre o risco de perder tempo e não ser atendido. Foi o que aconteceu na última quarta-feira, quando o Plantão Fiscal de Pessoa Física do Centro de Atendimento ao Contribuinte (CAC), em Brasília, parou.
O motivo, que causou indignação aos contribuintes, é a falta de pessoal. A capital federal tem cerca de 2,6 milhões de habitantes e a maior renda per capita do Brasil. No Plano Piloto, região mais abastada (onde circulam 700 mil pessoas por dia), existem apenas dois auditores-fiscais no plantão. Um estava de férias, e o outro foi ao sepultamento de um parente. Sem servidor público habilitado para atendê-las, dezenas de pessoas, após longa espera, voltaram para casa sem resolver as pendências. Tiveram as senhas carimbadas, com a promessa de que ao retornar não precisarão entrar novamente na fila.
Segundo denúncias do Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal (Sindireceita), a maioria dos que compareceram ao CAC na quarta-feira estava indo lá pela terceira vez para desembaraços na Declaração do Imposto de Renda. Em todas elas, se depararam com servidores mal treinados, com qualificação abaixo da crítica e um sistema lento, que sai do ar constantemente. Segundo as queixas dos contribuintes, quem trabalha na triagem não sabe identificar o serviço e, às vezes, demora mais de duas horas para protocolar um documento.
Ontem, a equipe do Correio esteve no CAC. Na hora da distribuição das senhas, a repórter, apesar de ser a segunda da fila, ficou com a de número quatro. Ao questionar a chefe do CAC, recebeu a resposta: “Não cabe a mim vigiar quem furou a fila. Se quiser, vá reclamar na ouvidoria”. No atendimento, ninguém atrás do balcão usava crachá ou qualquer identificação. Uma das servidoras vestia apenas uma camiseta preta com a inscrição Receita Federal na parte de trás.
Em nota, a assessoria de imprensa do DRF/Brasília, informou que o atendimento no CAC é ininterrupto e prestou de janeiro a junho de 2013 mais de 110 mil serviços. E confirmou que o Plantão Fiscal foi suspenso no dia 24 “em razão de falecimento de parente próximo ao servidor”. Mas o aborrecimento não é privilégio de pessoa física. O advogado e empresário Paulo Ricardo Silva precisou de um mês para deslindar os meios de fazer um parcelamento de débito previdenciário. Por três semanas, tentou o agendamento eletrônico.
“O contador todo dia entrava no sistema, mas não conseguia a senha. Aí, resolvi insistir junto, pela internet. Tive dificuldade. O site da Receita não é amigável. Fui jogado de uma item para outro”, reforça”, contou Silva. Após duas semanas, enfim, pegou a senha, imprimiu o documento. “Tive que marcar novo dia para entrega do documento de parcelamento. Mensalmente, terei de fazer o mesmo trabalho. Inclusive calcular a correção dos juros. A Receita não manda a guia mensal, mas, em caso de esquecimento, ela é rápida em inscrever a empresa no cadastro de mal pagadores”, critica.
Dados do Sindreceita, consolidados na pesquisa “Atendimento ao Cidadão: Um Estudo de Percepções dos Servidores em Exercício”, apontam que a ineficiência organizacional piorou após a unificação do atendimento da RF e da Previdência, em 2007, com a criação da SuperReceita. Ficou dramática quando, em 2010, as demandas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), relativas à Dívida Ativa da União, foram incorporadas ao atendimento ao contribuinte.
“O que vem comprometendo não só a qualidade de vida dos servidores, com evidências de sofrimento e adoecimento no trabalho, mas também os resultados organizacionais da Receita Federal”, aponta a pesquisa. Outro estudo, ainda em andamento - “Atendimento: a fachada da Receita Federal” -, com o objetivo de fazer um diagnóstico dos problemas, constatou que os principais transtornos são falta de infraestrutura nas unidades, carga de trabalho excessiva, complexidade da legislação tributária, unificação dos sistemas informatizados e falta de planejamento estratégico.