Crise na Receita Federal do Brasil

Crise na Receita Federal do Brasil

A Receita Federal do Brasil (RFB) viveu recentemente um dos períodos mais difíceis dos seus 41 anos de existência. Após a conturbada exoneração de Lina Vieira, o Órgão ficou com um comando provisório, fato que permeou a Instituição de dúvidas e incertezas. O resultado inevitável desse clima foi o aumento da morosidade e da estagnação na condução de projetos e na tomada de decisões importantes. Somado a isso, a expectativa sobre quem iria assumir em definitivo o Órgão alimentou divisões e preconceitos que só levaram ao enfraquecimento do conjunto. Nunca se viu circular comentários tão desagregadores: dentro e fora da RFB, falou-se no grupo da ex-SRP, no grupo da antiga Administração, no grupo do secretário executivo, no grupo da ex-secretária, etc. Diante desse cenário indesejável, o Sindireceita procurou refletir com lucidez sobre os fatos.

Trinta dias se passaram, até a confirmação oficial do nome do secretário Otacílio Cartaxo no comando do Órgão. Quanto aos motivos que teriam levado o ministro Mantega a substituir Lina Vieira, duas versões circularam na mídia: a das sucessivas quedas de arrecadação e a da fiscalização sobre a Petrobras, que supostamente teria incomodado o alto escalão do governo Lula. A enxurrada de notas, matérias e artigos sobre o fato, somada ao silêncio do governo, confundiram o público. Daí, então, vem a seguinte pergunta: o que houve de concreto sobre esse episódio? Vamos aos fatos:

  • A arrecadação federal vem sofrendo quedas sucessivas nos últimos dez meses.

  • Consequência da crise, o nível de atividade econômica do País caiu nesse período, enquanto que as medidas de desoneração tributária aumentaram.

  • Neste ano, a Petrobras não sofreu qualquer intimação ou autuação fiscal que possa estar relacionada à polêmica alteração contábil efetuada.

  • Não há qualquer prova ou indício de que o governo teria interferido ou tentado interferir em qualquer trabalho de fiscalização promovido pela RFB.

  • Mais de R$ 400 bilhões em processos fiscais deixaram de ser analisados.

  • Mais de R$ 100 bilhões deixaram de ser cobrados.

  • Mais de R$ 45 bilhões em processos de restituição/compensação praticamente ficaram parados, com homologações de créditos acontecendo tacitamente.

Baseado nesses fatos, só é possível constatar que, assim como é precipitado afirmar que as baixas na arrecadação decorreram somente da má administração da RFB (que é um fato incontestável), a versão de que a fiscalização sobre a Petrobras ou sobre outros grandes contribuintes teria levado o governo a exonerá-la é absolutamente desprovida de sustentação.

O Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita) não faz coro com os que afirmam que houve algum tipo de interferência ou pressão externa sobre o Órgão na gestão da ex-secretária. Os motivos de sua queda já foram aqui apresentados. Consideramos fundamental a busca incessante por mais eficiência pois a RFB jamais alcançará melhores resultados sem a gestão eficiente dos recursos que lhes são disponíveis. Nesse sentido, cabe a pergunta: a RFB tem sido eficiente?

Ao sair do cargo, a ex-secretária apresentou um balanço da sua gestão, balanço esse que serviu de base para o discurso panfletário de que o trabalho de fiscalização, focado no alcance da justiça fiscal, passou a voltar-se com mais ênfase para as grandes corporações. Tal discurso sugere, inclusive, que a sua exoneração teria sido provocada pela questão da Petrobras. Os números divulgados por sua equipe, no entanto, são questionáveis tanto quanto as suas origens. Resta, portanto, levantar e avaliar o que efetivamente foi posto em prática nesses últimos doze meses.

Esperamos que a mudança no comando do Órgão traga consigo uma nova postura administrativa, voltada para a eficiência e desapegada do corporativismo

 

Antes, porém, deve-se ressaltar que a autonomia técnica institucional por nós defendida não se confunde com autonomia técnica individual absoluta por meio da transferência de todas as competências finalísticas da RFB a uma categoria funcional composta de mais de doze mil servidores, como reivindica uma certa entidade sindical. Direção e gerenciamento no campo técnico são indispensáveis em um órgão cujo corpo funcional deve estar sempre alinhado e sintonizado. Sem isso, a Instituição caminha para a desorganização, para a perda de eficiência, ao invés de se aproximar da tão alardeada justiça fiscal.

As medidas progressivamente tomadas ao longo deste ano indicam ser essa temida ideia de autonomia uma das linhas mestras da última Administração.

É inegável que uma das maiores riquezas da RFB corresponde ao enorme potencial dos seus recursos humanos. Ao longo das duas últimas décadas, poucos órgãos públicos atraíram tantos profissionais de elevado nível como esse, mesmo ainda persistindo um grande déficit quantitativo. O bom aproveitamento desse potencial humano à disposição do Órgão pelo seu corpo gestor tem, por isso, valor estratégico. Lamentavelmente, o que se viu no decorrer deste ano de 2009 foi o agravamento de um problema antigo: a segregação e o subaproveitamento dos Analistas-Tributários (ATRFB), servidores de nível superior que também compõem a carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil (ARFB). O processo de retirada dos ATRFB da análise dos pedidos de compensação, pedidos que hoje se acumulam aos milhares e caminham para a homologação tácita, continuou a ocorrer - justamente a análise das compensações, tão defendida pela gestão da ex-secretária como meio de se combater a evasão fiscal. A exclusão dos ATRFB do trabalho de acerto e liberação das declarações retidas em malha, ocorrida em 2000, também não foi revertida. Quando teve a oportunidade de alterar o decreto que regulamenta as atribuições da Carreira, o que fez essa Administração? Optou por manter praticamente intacto o seu teor.

Diante de todo o exposto, como é possível avaliar positivamente a administração da RFB nesses últimos doze meses?

A gestão tributária e aduaneira é função essencial ao funcionamento do Estado, como afirma a própria Constituição Federal no seu inciso XXII do art. 37. A imparcialidade e a moralidade são requisitos essenciais para o êxito desse trabalho, mas se uma organização do tamanho da RFB não estiver acompanhada do real compromisso com os ganhos de eficiência, jamais aproximará o País do ideal de justiça fiscal.

Esperamos que a mudança no comando do Órgão traga consigo uma nova postura administrativa, voltada para a eficiência e desapegada do corporativismo deletério. Para o bem da RFB e do País, a nova Administração deve estar focada no alcance de melhores níveis de arrecadação, na melhoria do atendimento ao cidadão e na modernização do controle aduaneiro. Para isso, é preciso investir em ações no plano macro e micro com o mesmo empenho. Debater estratégias e políticas não basta. Em um momento delicado como o atual, é preciso arregaçar as mangas, tirar os processos dos armários e acelerar a cobrança. Além disso, é preciso trabalhar com metas em nível nacional, regional e local e direcionar a fiscalização sobre alguns setores visando ampliar a sensação de risco.

O Sindireceita tem o compromisso com a valorização dos ATRFB e com o fortalecimento da Instituição. Por isso, além do que se propõe no parágrafo anterior, continuará reivindicando o ingresso de mais profissionais por meio de concurso público e o fim da reserva excessiva de atribuições para auditores, que impossibilitam os ATRFB de atuar em diversas áreas. É preciso, com urgência, permitir que a categoria dos Analistas-Tributários atue na análise dos pedidos de compensação e restituição, no acerto e liberação das declarações retidas em malha, e em procedimentos que integram o despacho aduaneiro. Com a mesma disposição de colaborar com quem estiver compromissado com a Instituição, este Sindicato continuará se opondo com veemência ao aviltamento da nossa categoria funcional.

Que o futuro reserve dias melhores para a nossa Instituição! Os servidores e a sociedade merecem uma Receita Federal do Brasil mais justa e eficiente. $