Com recorde na apreensão de cocaína nas fronteiras e mantendo as apreensões de mercadorias ilegais na casa dos bilhões de reais, a Receita Federal do Brasil entra o ano de 2020 sem previsão de concurso, com o quadro de servidores defasado e com um orçamento do ano de 2013.
Em 2019 a Receita Federal do Brasil apreendeu mais de R$ 3 bilhões em produtos frutos de contrabando e descaminho e impediu que mais de 50 toneladas de drogas ilícitas, com destaque para a cocaína, fossem distribuídas dentro e fora do país pelo crime organizado. Com esses resultados a aduana brasileira apreendeu por dia, em média, R$ 8,2 milhões em mercadorias ilegais e 137 quilos de drogas ilícitas nos portos, aeroportos e postos de fronteira terrestre.
Os resultados parecem satisfatórios, mas poderia ser feito muito mais, pois, segundo levantamento divulgado em março desse ano pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf) e Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), o contrabando, a pirataria e a falsificação de produtos geraram um prejuízo à economia nacional de cerca de R$ 160 bilhões em 2018.
Atualmente, a Receita Federal do Brasil conta com 1.259 Auditores-Fiscais e 1.008 Analistas-Tributários que atuam na Administração Aduaneira, controle aduaneiro de encomendas e bens de viajantes e nas atividades de Vigilância e Repressão. Um total de 2.267 servidores responsáveis pela fiscalização e controle aduaneiro em portos, aeroportos, postos de fronteira e em operações de Vigilância e Repressão nas cidades e estradas brasileiras. Esse quantitativo reduzido de servidores tem o dever de realizar a fiscalização e o controle aduaneiro em 34 unidades de fronteira, 27 pontos de fronteira alfandegados, 39 portos organizados, 33 terminais aeroportuários de passageiros, 36 terminais aeroportuários de cargas, 5 centros de distribuições de remessas postais internacionais, 3 polos de processamentos de remessas expressas e mais outras dezenas de unidades da Receita Federal que atuam direta ou indiretamente no controle aduaneiro.
O quantitativo de servidores da Receita Federal que atuam contra o contrabando é bem pequeno quando comparado com outros países, a citar os Estados Unidos com 60.000 servidores, Holanda com 4.900, Canadá com 14.000, Alemanha com 39.000, México com 8.200, Itália com 9.000 e a nossa vizinha Argentina com 5.758 servidores.
Esse quantitativo reduzido de servidores ocasiona dificuldades nas formações de equipes de plantões nos portos, aeroportos e postos de fronteira terrestre, a ponto de inviabilizar a atuação ininterrupta da fiscalização nas chamadas Área de Controle Integrado (ACI), onde são exercidos os controles relativos ao trânsito de pessoas e veículos e os controles integrados referentes às importações e exportações entre os Estados-Partes. No Brasil, temos ACI em Foz do Iguaçu/PR, Uruguaiana/RS, Capanema/PR, Dionísio Cerqueira/SC, São Borja/RS e Itaqui/RS. Dificuldade encontrada não somente nas ACI, mas em vários pontos da fronteira terrestre onde não se tem mais fiscalização e controle aduaneiro ininterruptos, situação não correlata com as aduanas dos países vizinhos que funcionam 24 horas por dia.
No final deste ano foi dada a notícia de que a Receita Federal do Brasil encerrará os plantões fiscais nas unidades de fronteira instaladas no Rio Grande do Sul por falta de servidores para compor as equipes. Nos postos de fronteira, após às 18h e nos finais de semana e feriados, não haverá mais o controle de bagagens, de viajantes, de mercadorias e veículos que entram e saem do país. Os plantões de fiscalização e controle aduaneiro serão interrompidos nos postos de fronteira nas Inspetorias da RFB em Bagé, Barra do Quaraí, Chuí, Itaqui, Jaguarão, Porto Mauá, Porto Xavier, Quaraí, São Borja e Três Passos. Poderíamos ainda citar outros postos de fronteira que estão prejudicados pela falta de servidores, como o Posto Esdras em Corumbá/MS, Mundo Novo/MS, Tabatinga/AM, Ponte da Amizade/PR, Pacaraíma/RR e outros. A falta de servidores da Receita Federal do Brasil nas fronteiras certamente facilitará o tráfico internacional de drogas e a entrada no país de produtos ilegais, que serão distribuídos nas cidades brasileiras alimentando financeiramente, cada vez mais, o crime organizado.
Com mais de 16.700 km de fronteira terrestre e 7.300 km de fronteira marítima, o Brasil não pode permitir que sua Aduana continue da forma que está. Defendemos uma política de Estado para fortalecer o órgão, que é responsável pelo controle do comércio exterior e que, constitucionalmente, tem nas chamadas zonas primárias a precedência sobre os demais órgãos. Essa precedência dá a compreensão da capacidade de atuação de servidores altamente especializados na identificação de ilícitos aduaneiros, como o contrabando, o descaminho, a falsificação, o tráfico de armas e drogas ilícitas, sendo indispensáveis em qualquer atividade que vise o controle de fronteiras.
Infelizmente, na contramão do fortalecimento da presença do Estado em nossas fronteiras que ocorre no atual governo, o orçamento da Receita Federal para o ano de 2020 já deixa claro as dificuldades que o órgão terá para manter ou melhorar os resultados alcançados em 2019 na área de controle do comercio internacional. Entre 2019 e 2020 a redução orçamentária do órgão alcançará o percentual de 35%, passando de R$ 2,81 bilhões para R$ 1,82 bilhão, valor que remete a Receita Federal para o ano de 2013, quando o orçamento foi de R$ 1,74 bilhão. Mais ainda, não há nenhuma perspectiva de se ter concurso para corrigir o quadro reduzido de servidores e, sequer, repor as perdas por questões de aposentadorias e saídas voluntárias.
Como contraponto ou tentando justificar as dificuldades pelas quais a Receita Federal vem passando, dizem que a tecnologia está incrementando o controle nas fronteiras, afirmação que até certo ponto é verdadeira, pois não fosse a utilização de novos sistemas informatizados para controlar e simplificar os tramites legais pertinentes ao comércio internacional, os resultados do órgão poderiam ser outros. Os novos sistemas de reconhecimento facial, prestação de informações, desembaraço aduaneiro, análise de risco, entre outros, que permitem uma maior transparência nas ações de fiscalização e controle aduaneiro e agilizam todo o fluxo das atividades de importação, exportação e trânsito aduaneiro, combinados com a dedicação de seus servidores, estão dando uma sobrevida aos excelentes resultados alcançados na fiscalização e no controle aduaneiro da Receita Federal.
Apesar da tecnologia, já não é possível se ter plantões ininterruptos nas fronteiras terrestres e também não se tem equipes com o quantitativo necessário nos aeroportos e postos de fronteira, onde em certos casos são formadas por um ou dois servidores. As 29 equipes de cão de faro, instrumento importantíssimo nas apreensões de drogas, é um quantitativo muito inferior quando comparado a outros países, na Argentina existem 300 equipes K9. As equipes náuticas do órgão estão quase extintas. Nos portos alfandegados a Receita Federal já não atua durante 24 horas a muito tempo, situação denunciada pelo Sindireceita desde 2015. A cada ano que passa a tecnologia avança no controle aduaneiro, mas ainda não é capaz de substituir a presença humana, e nesse compasso de enfraquecimento do corpo de servidores da Receita Federal está se chegando a um limite de atuação que afetará negativamente o controle do comércio exterior.
Relegar à Receita Federal um papel secundário no controle de nossas fronteiras é temerário para as atividades do comércio exterior, para a segurança pública e joga fora toda uma expertise adquirida durante anos pelo órgão, comprovada com os resultados excelentes alcançados diante das ferramentas que possui para realizar sua função constitucional de fiscalizar e controlar o comércio exterior.
O ano de 2020 está aí, mas para a Receita Federal do Brasil só podemos dizer, por enquanto, Feliz Ano Velho.
Geraldo Seixas
Presidente do Sindireceita