Encerrada a negociação salarial entre governo e funcionalismo federal em 2015, poucas categorias restaram sem acordo para o próximo exercício, dentre elas a Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil. Em assembleia geral da categoria, 83,16% dos Analistas-Tributários rejeitaram, nos dias 28 e 29 de dezembro, a proposta do Ministério de Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG) de correção dos subsídios em 27,9%, parcelados até 2019.
Para esclarecermos sobre a insuficiência da proposta apresentada pelo MPOG devemos retomar o histórico da remuneração dos Analistas-Tributários de modo a comparar a evolução de sua remuneração com outras categorias análogas.
Em termos comparativos, podemos ilustrar como se deu, ao longo do tempo, a desvalorização dos Analistas-Tributários em relação aos outros cargos de nível superior do Executivo. Em consulta ao Boletim Estatístico de Pessoal, editado periodicamente pelo Ministério de Planejamento, se verifica na tabela salarial mais antiga disponibilizada pelo MPOG, referente a julho de 1998, que o salário médio (média aritmética entre o maior e o menor salário do cargo) dos atuais Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil, então Técnicos, acrescidas as gratificações, correspondia a 87% do salário médio do Fiscal Agropecuário e a 75% do salário médio dos Analistas do Ciclo de Gestão. Decorridas quase duas décadas, um Analista-Tributário da RFB recebe, em média, R$ 11.339,52, quase quarenta por cento a menos que um Analista do Ciclo de Gestão ou quase trinta por cento a menos que um Fiscal Agropecuário.
Entre 1998 e 2015, Analistas do Ciclo de Gestão e os Fiscais Agropecuários, por exemplo, tiveram seus vencimentos reajustados em mais de 100% além do reajuste percebido pelos servidores da Carreira de Auditoria da RFB. Entre 2004 e 2015, Oficiais de Inteligência da ABIN também foram reajustados em mais de 100% além do que foram os Analistas-Tributários. Já entre 2008 e 2015, o reajuste dos Analistas Administrativos das Agências Reguladoras suplantou o dos Analistas-Tributários da RFB em mais de 40%.
Com exceção da Polícia Federal, que sofreu ao longo do tempo depreciação parecida, podemos afirmar que nenhuma outra carreira típica de Estado sofreu tamanha desvalorização como a Carreira de Auditoria. Se em 1998 eram os Analistas-Tributários que guardavam correlação com o Ciclo de Gestão, hoje são os Auditores-Fiscais, outrora no topo da tabela, que estão nivelados em seus vencimentos com essas categorias. Ficamos para trás e não encontramos qualquer razão que justifique isso. A tabela e o gráfico a seguir refletem a evolução da remuneração (pela média dos vencimentos de cada cargo) de alguns cargos do núcleo estratégico do Executivo e evidenciam a desvalorização da Carreira de Auditoria. Todos os dados aqui tratados estão disponíveis em tabelas elaboradas pelo MPOG na página http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/tabela-de-remuneracao-1.
Para uma melhor compreensão da realidade explicitada na tabela e no gráfico anteriores, é preciso resgatar a história. Quando o cargo de Técnico da RFB passou a exigir diploma de nível superior para ingresso, em 1998, até em função dos problemas internos que envolvem a Carreira de Auditoria, houve uma alteração da tabela salarial da categoria que redundou no rebaixamento de seu patamar remuneratório. Só a partir de 2004 houve uma retomada do processo de recuperação salarial, contudo insuficiente e muito distante do que conquistaram outras categorias, como demonstramos anteriormente. Ocorre que a exigência do nível superior foi, acima de tudo, um reconhecimento de uma situação de fato e uma necessidade face ao contexto socioeconômico e, portanto, não havia qualquer justificativa para uma contrapartida de arrocho salarial, como há menos razão ainda para que esta situação de distorção persista após quase duas décadas.
Da mesma forma, não encontramos argumento que sustente a inferioridade salarial dos Analistas-Tributários - profissionais de nível superior, responsáveis diretos pela arrecadação da União - em relação a outros cargos de natureza administrativa, ou ainda em extinção.
Constatamos nos dados do Ministério do Planejamento referentes à remuneração dos servidores do Executivo Federal, por exemplo, que os Analistas Administrativos das Agências Reguladoras, em final de carreira percebem 40% a mais que os ATRFB. Encontramos ainda na tabela do MPOG diversos cargos em extinção, agrupados em quadros especiais de seus órgãos de atuação, cuja remuneração também suplanta a dos ATRFB em até 40%. Os Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil constam dessa tabela na 107ª posição. Quando comparamos a tabela salarial dos Analistas-Tributários apenas com as carreiras correlatas a distorção fica ainda mais evidente. Não resta em cada Analista-Tributário outro sentimento que não seja o da indignação. A tabela a seguir ilustra a situação de desvalorização e desprestígio da categoria:
TABELA II – COMPARATIVO ENTRE CARGOS DO EXECUTIVO FEDERAL REMUNERADOS POR SUBSÍDIO
(POR ORDEM DE MAIOR VENCIMENTO DO CARGO)
Se a proposta oferecida pelo MPOG já é insuficiente para outras carreiras, para os Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil, que sofreram uma grave desvalorização ao longo das últimas duas décadas, a proposta é inaceitável.
Não há função mais essencial ao Estado que a administração tributária e aduaneira. O trabalho de Analistas-Tributários e Auditores-Fiscais, apoiado pelas demais carreiras administrativas da Receita Federal, responde pela arrecadação de 98% das receitas da União; pelo combate à sonegação, ao contrabando e ao descaminho; pelo combate à corrupção e à lavagem de dinheiro; pela defesa da indústria e do comércio nacionais e dos empregos gerados por estas atividades; pela administração do maior banco de dados sigilosos do País; pelo atendimento e orientação dos contribuintes, pelo incentivo ao cumprimento voluntário das obrigações tributárias e pelo desenvolvimento de soluções de simplificação e desburocratização. Além disso, os integrantes da Carreira de Auditoria, ao contrário de outras categorias, estão dedicados exclusivamente à RFB, impedidos de exercer outra atividade remunerada e submetidos ao mais rigoroso controle disciplinar. Contudo, nem a Carreira de Auditoria nem as demais carreiras têm o merecido reconhecimento da qualificação, da dedicação e do risco inerente à sua atividade.
Ao longo de 2015, ouvimos ministros de Estado, parlamentares e outras autoridades reiterarem a necessidade de recuperação da Receita Federal, de valorização de seus profissionais. No entanto, ao final do ano tudo nos parece mera figura de retórica, muitas vezes utilizada para aplacar a revolta dos servidores e manter o fisco em funcionamento diante da perspectiva de um reconhecimento que nunca se mostrou efetivo.
Diante dessa conjuntura, recusamos a primeira proposta do MPOG e nos preparamos para um período de luta intensa, diante da perspectiva de uma negociação que não nos atenda nem nos valorize, que não recupere as perdas históricas da categoria.
O envio pelo Executivo dos projetos de lei que tratam do reajuste de grande parte do funcionalismo federal ao Congresso (mensagens 608 a 613/2015) evidencia uma mudança de paradigma na remuneração do serviço público federal. Se nos governos Lula houve uma necessária recuperação geral dos vencimentos (congelados durante a maior parte dos anos FHC), isso se deu por meio de uma nova matriz de tabelas salariais. Desse realinhamento, as carreiras do Ciclo de Gestão e das Agências Reguladoras, por exemplo, restaram valorizadas, quase equiparadas ao primeiro escalão salarial do Executivo (Auditores, Delegados e Procuradores), enquanto Analistas-Tributários da RFB e Agentes da PF e da PRF restaram prejudicados, submetidos a um padrão salarial muito inferior ao padrão histórico.
Se no primeiro mandato da presidenta Dilma essa estratificação distorcida se manteve quase inalterada, a atual negociação traz uma série de fatos que indicam a superação desta matriz. A autorização para advocacia privada na Advocacia da União e a implementação de rateio baseado no ônus de sucumbência e nos encargos legais, concomitante aos subsídios; a concessão de remuneração por subsídio às carreiras das Agências Reguladoras; a incorporação da gratificação de atividade às aposentadorias dos quadros do PGPE; a elevação do nível de escolaridade dos Técnicos do BACEN; a variedade de índices de reajuste e prazos de negociação; a concessão de reajuste diferenciado ao Judiciário; e até a criação de novas Carreiras de Analistas, do CADE e de Pessoal e Logística, com remuneração alinhada ao Ciclo de Gestão; tudo isso nos faz crer que há uma nova perspectiva na política remuneratória do funcionalismo federal, não mais centrada na estratificação e na padronização, mas voltada às características e às pautas específicas e particulares de cada categoria, de cada órgão.
Por isso, a Carreira de Auditoria da Receita Federal, a própria Receita Federal e, em particular, os Analistas-Tributários não podem aceitar que o Governo Federal desconheça sua importância e as particularidades de sua pauta reivindicatória, até porque dentre todas as carreiras do funcionalismo federal, não há nenhuma outra capaz de gerar os recursos necessários ao atendimento de suas reivindicações.
Na tabela a seguir, apresentamos os efeitos nos subsídios do ATRFB da aceitação de uma proposta de reajuste de 21,3%, parcelados em quatro anos, com a previsão do bônus de eficiência, no valor fixo de R$ 1.800,00 mensais, conforme se especulou anteriormente.
Pela tabela vemos que, na hipótese da oferta do reajuste de 21,3% mais o bônus em valores fixos, o maior subsídio do ATRFB em 1º de janeiro de 2017 seria igual a R$ 16.668,90. Esse valor chegaria, em 1º de janeiro de 2019, a R$ 18.076,05.
Para efeito de comparação, tomaremos os valores constantes nos projetos de lei enviados ao Congresso para remuneração dos demais cargos de Analista do núcleo estratégico do Executivo.
Mesmo na circunstância da implementação do Bônus de Eficiência, a distância entre o maior subsídio do ATRFB e os demais cargos de Analista do núcleo estratégico permaneceria praticamente inalterada. O Ministério do Planejamento deve uma resposta à categoria sobre em que o trabalho de um Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil é menos importante que o trabalho de um Analista Administrativo.
O problema da remuneração do Analista-Tributário vai muito além da relação remuneratória entre os cargos da Carreira de Auditoria, ou da reposição das perdas inflacionárias. O problema está na injustiça de sua remuneração se comparada às categorias análogas. Não se pretende vencer essa injustiça em uma só etapa, mas não podemos admitir que uma negociação de longo prazo não nos permita alcançar ao menos o piso dos Analistas Federais, abaixo do qual nos encontramos de forma vexatória. Se vislumbrarmos os fiscos estaduais, também veremos que a relação remuneratória entre cargos similares e específicos, como o de Gestores Tributários e Fiscais Estaduais, se coloca sempre acima da atual relação remuneratória entre Analistas e Auditores da Receita Federal.
Qualquer que venha a ser a solução a ser buscada pela Receita Federal, qualquer consideração do Ministério do Planejamento deve partir da premissa da superação dessa defasagem injustificável.
Buscamos o melhor para o Brasil. Demonstramos como podemos superar a grave crise fiscal, com justiça tributária e sem aumento da carga para a sociedade. Lutamos pelo reconhecimento de nossas atribuições, para trabalharmos com mais segurança e eficiência. Nunca nos furtamos aos desafios impostos ao fisco federal, nunca voltamos nossas costas ao País ou aos seus cidadãos. Mas estamos no limite. Não há nada que possa justificar o tratamento demeritório dispensado aos Analistas-Tributários. Não podemos aceitar passivamente o recrudescimento da desvalorização do fisco federal e de seus servidores e estamos preparados para luta.
Que 2016 nos traga justiça e que possamos, com o nosso trabalho valorizado, criar as condições necessárias para que o País supere seus grandes desafios.