Boletim Especial nº 16, de 22 de novembro de 2011
Controle social da Administração Tributária
e Aduaneira a partir da criação do Conpat
A presente proposta – defendida pelas nossas lideranças há muito tempo e ratificada na reunião do CNRE (Conselho Nacional de Representantes Estaduais) de 10 de maio de 2011 – pretende subsidiar o debate e ações para instituir o controle social da Administração Tributária e Aduaneira brasileira, visando precipuamente o alcance efetivo da justiça fiscal.
O controle social pretendido consiste na criação e instalação de um colegiado com a participação de representantes estratégicos da administração pública federal e da sociedade civil, sob a denominação de Conselho de Política e Administração Tributária e Aduaneira (Conpat).
Sob a diretriz maior de cooperação recíproca entre a sociedade e o poder público federal, o Conpat terá por missão o monitoramento e o aconselhamento da Administração Tributária e Aduaneira brasileira.
Por que o Conpat é um instrumento
importante para o Brasil
1. A importância da Administração Tributária e Aduaneira
A Administração Tributária e Aduaneira é essencial para que o estado brasileiro possa cumprir o seu papel com êxito.
A importância da Administração Tributária sobressai-se quando tratamos dos compromissos do estado nas áreas de segurança, educação, saúde, programas sociais, infraestrutura de base, previdência social e tantas outras que os cidadãos brasileiros e o setor produtivo necessitam para as suas sobrevivências e desenvolvimento.
Quanto ao controle aduaneiro, quando se trata de competitividade do Brasil para fazer frente ao mercado internacional e da defesa do mercado nacional e dos empregos dos brasileiros, o cumprimento do papel do estado, principalmente, com o combate ao contrabando, ao descaminho e à pirataria, também é ressaltado e cobrado por diversos setores da sociedade.
Nesse contexto, a Administração Tributária e Aduaneira desenvolve atividades estratégicas e, por isto, merece um acompanhamento especial não só dos governantes como da sociedade, visando cooperação e acertos nos propósitos e ações de ambos, estado e sociedade.
2. As experiências internacionais
O controle social da administração tributária disseminou-se em vários países. Isso já é realidade na Holanda e, principalmente, na Austrália, cujos relatos tratam que há uma recíproca e pró-ativa cooperação entre a sociedade e o estado.
Sobre isso, vale destacar o artigo “Receita Federal do Brasil: Desafio para a realização de um projeto de cooperação fiscal aprendendo com a experiência nacional e internacional”, que foi elaborado pela doutora e pesquisadora Mariana Pimentel Fischer Pacheco, do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
3. A política de controle social adotada pelo governo
A iniciativa do governo federal que propiciou a instituição da Câmara de Políticas de Gestão, de Desempenho e Competitividade é um bom indicador que a relação entre a sociedade e o poder público mudou.
Recentemente, a Controladoria-Geral da União (CGU) desencadeou uma série de eventos para incentivar a utilização do controle social como instrumento de participação da sociedade na gestão, fiscalização, monitoramento e controle das ações da administração pública.
A etapa nacional da 1ª Consocial (Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social), promovida pela CGU, ocorrerá de 18 a 20 de maio de 2012.
4. A Receita Federal “do Brasil”, a cultura fiscalista e o paradigma do crime
A Secretaria da Receita Federal, logo após a sua criação (1968), foi modelo organizacional, inclusive para a iniciativa privada. No entanto, com o passar dos anos, em vários aspectos, esse órgão deixou de evoluir por conta de uma quase ininterrupta falta de gestão profissional, por conformismo e ostracismo funcional, por resquícios de autoritarismo, que remetem a lembranças da época da ditadura, e, reforçando e alimentando todos estes motivos, em razão de um corporativismo exacerbado.
Sobre esse último ponto, basta recordar a crise que ocorreu na Receita Federal por ocasião da passagem da ex-secretária Lina Vieira. Cabendo registrar que, ainda hoje, esse corporativismo, muitas vezes de forma silenciosa, subjacente e perniciosa, continua atuando fortemente no órgão e as suas ações visam notadamente à manutenção do status quo desmedido em detrimento dos interesses do poder público e da sociedade.
Reina na Receita Federal uma cultura fiscalista que, não raro, impede que o órgão reconheça a sociedade como a razão maior para a existência da Administração Tributária e Aduaneira. Intramuros, até parece que o sentimento é o contrário, ou seja, permeia uma ideia tosca que a sociedade existe para atender aos caprichos corporativos da casa.
Internamente, os ultracorporativistas, sob um manto de autoridade máxima, até em relação a externos, pregam e tentam fazer valer, de forma desvairada, que tudo podem mesmo, inclusive quebra de sigilo bancário sem autorização judicial e acesso irrestrito a estabelecimentos públicos e privados.
O Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), um importante instrumento de controle para a Administração (pelos menos deveria ser) e resguardo para a sociedade, é combatido veementemente pela irmandade do referido corporativismo. Tudo fazem para a sua aniquilação, pois defendem a chamada “autonomia fiscal”, algo só comparável às justas prerrogativas dos magistrados e membros do Ministério Público (estes sim merecedores de poderes diferenciados, respaldados pela Constituição Federal). Em ensaios infralegais, chegam até a cogitar que eles estão acima de qualquer cadeia hierárquica do órgão, “esquecendo” que a Receita Federal é um órgão administrativo por essência.
Os sucessivos recordes de arrecadação federal, que são efusivamente comemorados internamente na Receita Federal, inclusive para realimentar e enaltecer o ego (culto) fiscalista, na verdade, escamoteiam uma série de ineficiências do órgão, como o pífio combate à sonegação fiscal, pois, do montante que ingressa periodicamente no Tesouro, somente 0,5% é decorrente de real “esforço” de fiscalização. O restante (99,5 %) é decorrente de arrecadação espontânea.
Por outro lado, a burocracia fiscalista é pródiga na edição de normas difusas, caóticas e, por vezes, insuficientes. A coletânea de atos normativos é tão gigantesca e grotesca a ponto dos próprios servidores da Receita Federal não conseguirem assimilar ou, até mesmo, conhecer superficialmente o arsenal de legislação, que, invariavelmente, se volta de forma perniciosa e mais danosa contra os contribuintes, contadores e outros usuários.
Sobre esse sério problema, vale registrar o desabafo de um presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), que consta na apresentação de um Estudo desta Entidade acerca da quantidade de normas editadas no Brasil:
“É um conjunto desordenado de assuntos, tornando praticamente impossível que o cidadão conheça e entenda o seu conteúdo”.
Pior, em razão do imbróglio normativo, há uma enxurrada de orientações internas, muitas tentando remediar as omissões ou falhas na legislação e, não raro, criando “regras” que não são do conhecimento dos contribuintes.
Ao encontro desse último diagnóstico (caos na legislação) e de outro problema relacionado ao excesso de obrigações acessórias, vale destacar o reclamo que consta no artigo “Tributos que matam”, da edição nº 132, de 2009, da Revista Forbes Brasil:
“30% da folha de pagamento de grandes empresas é com funcionários da área tributária... As empresas querem atender à legislação, mas é difícil por conta da burocracia... O sistema tributário é muito complexo... Além de pagar uma alta carga tributária, os contribuintes brasileiros têm de arcar com uma alta carga tributária indireta, com uma quantidade enorme de obrigações acessórias... Isso com certeza aumenta o custo Brasil... Não são apenas os empresários brasileiros e os investidores estrangeiros que estão preocupados com a burocracia fiscal brasileira. A International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial, também está preocupada com isso”.
O paradigma do crime – Em resumo, a cultura fiscalista deságua em outra seara irmã siamesa e não menos maléfica que impera na Receita Federal: em princípio (até prova em contrário), “os contribuintes são vistos como potenciais fraudadores”. Essa teoria, que é também citada no artigo do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV mencionado anteriormente, cuja prática ultrapassada já foi, há muito tempo, abandonada em diversos países, ainda faz sucesso no cotidiano corporativista da Receita Federal.
Para demonstrar esse equivocado posicionamento da Receita Federal, na visão de quem está do outro lado do balcão, vale destacar, em outras corriqueiras críticas externas, o que consta no artigo “A mesma alma”, da edição nº 2.212 da Revista Veja, de 13 de abril de 2011:
“A Receita continua a mesma: insiste em ver os contribuintes como marginais em potencial, não respeita os compromissos com eles e impõe a todos um clima de delegacia de polícia. Hostiliza quem paga mais. É feroz com o pequeno”.
O referido artigo da Revista Veja também avalia:
“A Receita Federal do Brasil, que no mês de abril vive seu grande momento do ano, tem duas caras, uma muito boa e outra muito ruim – o que já é um alívio, quando se leva em conta que o serviço público brasileiro, na maioria das vezes, oferece um lado só, o péssimo. A face brilhante da Receita Federal aparece justamente agora, quando se processa a entrega anual das declarações do imposto de renda. É um espetáculo de qualidade mundial: sem a necessidade de fazer um único metro de fila, ou de suportar qualquer dos maus-tratos que o poder público normalmente impõe aos cidadãos, cerca de 25 milhões de brasileiros entregam sua declaração por meios eletrônicos, dentro de um sistema que está muito próximo ao que se poderia chamar de ideal”.
No entanto, não sabe o autor desse artigo da Veja que essa aplaudida conquista da Receita Federal, em 1997, foi implantada sob fórceps por um dos poucos secretários não oriundo do corpo funcional do órgão. Na época, o corporativismo deletério fez marcação cerrada para que a novidade não vingasse. E, só graças a obstinados Analistas-Tributários (proponentes dessa quebra de paradigma) o projeto não só foi a frente como, até hoje, é reconhecido em coro dentro e fora do Brasil.
Além disso, o Simples Federal (antecessor do Super Simples), o desembaraço aduaneiro em portos secos e outras medidas inovadoras, que propiciaram eficiência ao poder público e descomplicações à sociedade, também sofreram absurdas e duras resistências do corporativismo fiscalista. Detalhe, o secretário que viabilizou essas inovações é o mesmo que implantou a entrega das declarações de imposto de renda de pessoas físicas pela Internet.
Não por acaso, o corporativismo fiscalista é também radicalmente contra a instituição de um código ou estatuto de garantias, direitos e deveres dos contribuintes, que, frise-se, já é realidade em diversos países e em muitos estados da nossa Federação.
A mística artificial de eficiência - Exceto pelas mencionadas inovações e por algumas medidas perfunctórias que ajudam a manter o órgão sob uma mística artificial, a ineficiência da Receita Federal alastra-se em outros sérios desregramentos, quase todos fomentados pelo corporativismo nefasto, que são prejudiciais ao poder público e à sociedade, sendo alguns velhos conhecidos e outros não tão transparentes para a opinião pública.
A seguir, é apresentada uma sinopse desses problemas, inclusive muitos deles merecedores de serem analisados em verdadeiros tratados:
? filas cansativas que nunca acabam ? senhas insuficientes para atendimento ? falta de padronização de horários de atendimento ? instalações inadequadas ? imposição de domicílios fiscais que não fazem mais sentido ? pragmatismos inconsequentes ? informações e orientações ao público que deixam a desejar ? a burocracia pela burocracia ? “perícias” realizadas em balanços por servidores sem formação em contabilidade ? sobreposições de procedimentos ? retrabalhos constantes ? malha fiscal engessada, não transparente e intimidadora ? controles de cobrança e arrecadação caóticos ? prescrições injustificáveis de créditos tributários ? inscrições indevidas de débitos em Dívida Ativa da União ? restituições demoradas ? inércia na análise de compensações, que, ao final, são homologadas tacitamente (às cegas) ? cadastros que não se comunicam ? obrigações tributárias desnecessárias ? excesso de guias de arrecadação (DARF, GPS, DAS, DJE, GDJE, GRU...) ? duplicidade de certidões negativas de débitos ? contencioso desqualificado - “julgadores” sem formação jurídica ? a corporação que autua (acusa) é a mesma que “julga” ? percentual significativo de autos de infração que são derrubados no Conselho de Contribuintes (Carf) ? cerceamento de defesa ? aversão aos direitos dos contribuintes ? histerias e conveniências na “definição” de sigilo fiscal ? estrutura arcaica ? planejamento incipiente ? faz de conta gerencial ? capacitação gerencial inexistente ? ocupação de postos por mera vaidade em detrimento de mérito ? sectarismo administrativo (1. “relevante” mesmo é a origem – ex-“isso”, ex-“aquilo” e outras inafastáveis rotulações, 2. “paletó com broxe” dá direito a dependências privativas, estacionamentos especiais e passagem livre por catracas...) ? desorganização funcional ? ociosidades e desperdício de recursos ? logística dispendiosa ? desvio e subaproveitamento de pessoal ? política de faz de conta na seleção, lotação e desenvolvimento de pessoal ? sistemas lentos e ineficientes ? rede informatizada sobrecarregada ? equipamentos e aplicativos defasados ? arquitetura de TI caótica ? morosidade nos portos e aeroportos, causando prejuízos ao setor produtivo ? fronteiras abertas (escancaradas) ? amadorismo e improviso no combate ao contrabando e descaminho ? exposição de servidores aduaneiros a riscos ? despreparo para vistorias de produtos inflamáveis, radioativos e tóxicos ? precariedade na concessão de porte de arma aos servidores ? sub-utilização de aeronaves e embarcações ? demora no desembaraço de produtos perecíveis, causando perdas ? deficiências no armazenamento de mercadorias apreendidas, propiciando deteriorações ? planejamento incipiente para os eventos mundiais que se avizinham (Copa e Olimpíada) ? assessoramento “técnico” ineficaz, descuidado e evasivo na edição de anteprojetos de medidas provisórias e leis (matérias tributárias) e nas suas tramitações no Legislativo ? fusão das áreas tributária e previdenciária (lançada em 2005) que não termina nunca ? inexistência de prestação de contas qualificada à sociedade.
5. O resgate e os benefícios do exercício da cidadania
Ainda que a Receita Federal fosse o órgão que povoa o imaginário de alguns menos avisados, assim mesmo, já justificaria a implantação de um controle social da Administração Tributária e Aduaneira, pois, como visto anteriormente, isto já é realidade em países mais resolvidos em suas administrações públicas.
Agora, depois de desmistificadas as entranhas da Receita Federal, que está possuída por um deletério corporativismo patrimonialista (feudal), fica patente que o poder público e a sociedade, mais do que nunca, por meio de cooperação recíproca, precisam urgentemente agir para resgatar a Administração Tributária e Aduaneira que os cidadãos de bem deste país esperam, a verdadeira Receita Federal do Brasil.
Benefícios da cooperação recíproca – Uma Administração Tributária e Aduaneira profissional e cidadã, ou seja, eficiente e eficaz, transparente e realmente comprometida com a causa pública, proporcionará:
? Otimização dos recursos orçamentários para a manutenção da Administração Tributária e Aduaneira, portanto, menos peso para a sociedade, podendo o poder público melhor atender outras áreas alcançadas pelo Serviço Público.
? Desburocratização e simplificação para o cumprimento das obrigações tributárias e aduaneiras.
? Atendimento digno aos contribuintes e aos usuários da Administração Tributária e Aduaneira.
? Otimização da fiscalização e dos controles da Administração Tributária e Aduaneira visando reduzir a carga tributária sem perda de arrecadação, ou até mesmo com crescimento de arrecadação.
? Reconhecimento e valorização da Administração Tributária e Aduaneira pela sociedade.
? Em última análise, democracia valorizada, justiça fiscal efetiva, competitividade fortalecida e desenvolvimento potencializado, ou seja, um futuro muito melhor para todos os brasileiros.
Aguardem...
Em breve, ocorrerá um divisor de águas a partir do lançamento do Conselho de Política e Administração Tributária e Aduaneira (Conpat).
É chegada a hora e a vez da sociedade que quer construir uma relação de cooperação recíproca com o poder público para que, juntos, possam alcançar a tão almejada justiça fiscal!