A proposta apresentada pelo Ministério da Economia incorpora princípios defendidos pelos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil no projeto Mais Simples Mais Justo
A reforma da tributação sobre a renda no Brasil é uma bandeira histórica dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil.
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Segundo o World Inequality Database, em 2015, a pequena parcela de 1% dos brasileiros mais ricos concentrava 28,3% de toda renda nacional. E a desigualdade cresce em ritmo acelerado: estudo recente do banco Credit Suisse aponta que, já no final de 2020, essa pequena parcela de brasileiros super-ricos já detinha quase a metade da riqueza nacional (49,6%).
A tributação sobre a renda, ao lado da tributação sobre o patrimônio, é o principal instrumento de realização da justiça social a partir da justiça fiscal. Assim, toda iniciativa que vise aproximar a tributação sobre a renda de seus princípios constitucionais da generalidade, universalidade e progressividade e que torne mais equitativo o esforço tributário é bem-vinda.
A proposta apresentada ao Congresso Nacional como segunda fase da reforma tributária, voltada a tributação da renda, tem o sentido positivo de correção de injustiças e incongruências históricas, mas pode e deve ser aprimorada. Muitos dos princípios norteadores da proposta refletem as proposições dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil. Propostas como a elevação do piso de isenção do imposto de renda das pessoas físicas, eliminação do desconto simplificado, tributação de lucros e dividendos com redução concomitante da tributação das pessoas jurídicas, simplificação e uniformização das modalidades de tributação foram levadas pelo Sindireceita, na forma do Mais Simples Mais Justo, ao governo, ao parlamento, à academia e à sociedade civil como colaboração dos servidores especialistas em administração tributária e aduaneira à construção de um sistema tributário mais justo e de uma economia mais dinâmica.
Conheça o projeto Mais Simples Mais Justo.
A PROPOSTA DE REFORMA DA TRIBUTAÇÃO DA RENDA DEVE SER APRIMORADA
Caberá ao processo legislativo aprimorar a proposta apresentada pelo governo. Os Analistas-Tributários se farão presentes mais uma vez para que tenhamos, ao final desse processo, um sistema equitativo e progressivo, de fácil aplicação e que permita a redução das desigualdades sociais, seja pela redistribuição da riqueza nacional, seja pela viabilização das políticas públicas necessárias ao atendimento da imensa maioria de nossa população.
Com o propósito do aprimoramento da proposta, destacamos alguns aspectos que merecem atenção.
Piso de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física
A proposta do governo pretende corrigir o piso de isenção do imposto de renda da pessoa física dos atuais R$ 1.903,98/mês para R$ 2.500,00/mês. A correção de 31%, entretanto, fica muito aquém da defasagem da tabela do imposto de renda, que ultrapassa os 100%. Os estudos do Mais Simples Mais Justo apontam como se pode elevar esse piso de isenção a, pelo menos, 3 salários-mínimos mensais sem impactar a arrecadação, com a criação de uma alíquota ligeiramente majorada para o rendimento acima de 10 salários-mínimos mensais.
Esta correção permitiria isentar do imposto de renda outros 5 milhões de brasileiros de baixa renda bem como eliminar definitivamente o modelo de descontos simplificado (admitido na proposta para rendimentos de até R$ 40 mil anuais).
Tributação dos Lucros Excedentes e Calibragem da Tributação das Pessoas Jurídicas
A retomada da tributação sobre lucros e dividendos distribuídos é um dos pontos mais positivos da proposta apresentada pelo governo. Entretanto, a tributação a alíquota uniforme de 20% eleva a tributação sobre o lucro no Brasil acima da média dos países da OCDE. Não obstante, a criação de uma faixa de isenção de R$ 20 mil mensais para a distribuição de lucros incentiva o planejamento tributário das pessoas jurídicas por meio do fracionamento fictício das empresas para enquadramento na faixa de benefício (faturamento até R$ 4,8 milhões anuais).
A solução apontada pelo Mais Simples Mais Justo, de sobretaxar o lucro excedente - a diferença entre o lucro contábil e o presumido, que não é tributada nem na pessoa jurídica nem na física - pode oferecer a saída. A tributação do lucro excedente à alíquota de 25% permitiria a redução da alíquota sobre o lucro distribuído que integra a base de cálculo do IRPJ à 15%, de modo a termos uma tributação equilibrada e competitiva.
Atualização do Valor dos Imóveis
Pela proposta do governo, será permitido atualizar os valores patrimoniais, com incidência de apenas 5% de imposto sobre a diferença. Hoje, na declaração, os imóveis são mantidos pelo valor original. Ao vender o bem, o cidadão precisa pagar entre 15% e 22,5% de imposto sobre o ganho de capital.
Devemos lembrar que, pelas regras atuais, já fica isento do imposto de renda o ganho de capital auferido na alienação do único imóvel que o titular possua, cujo valor de alienação seja de até R$ 440.000,00 (Lei 9.250/1995, art. 23) e o ganho auferido por pessoa física residente no país na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País (Lei 11.196/2005, art. 39).
O benefício concedido pela proposta do governo, portanto, beneficiará apenas a parcela mais rica da população, que possui muitos imóveis e de elevado valor. Importante ressaltar que a subvalorizarão na compra e venda de imóveis é prática comum de ocultação de patrimônio sem lastro num país em que a economia subterrânea - a soma da riqueza ocultada pela informalidade e pelo crime – monta a R$ 1 trilhão/ano. O caminho correto deve ser o da apuração de valores reais das transações com imóveis a partir da integração entre os fiscos e entre esses e os cartórios de registro de imóveis e a tributação uniforme do acréscimo patrimonial auferido.
Tributação das Aplicações Financeiras
Também nos parece incoerente a tributação dos Fundos de Investimento Imobiliário sem a concomitante tributação das Letras de Crédito e Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio. Sempre que se cede às pressões políticas, novas distorções no sistema tributário que comprometem seus princípios são criadas. A bem da Constituição, é preciso que se afaste tal incoerência do projeto de lei.