O papel dos servidores públicos para o fortalecimento do Estado brasileiro e as eleições deste ano foram temas de avaliação de conjuntura realizada pelo cientista político e diretor do Instituto Cultiva, Rudá Guedes Ricci, na tarde deste sábado, dia 18, durante a XV Assembleia Geral Nacional (AGN) do Sindireceita. Após a explanação, os Analistas-Tributários participantes do evento puderam realizar questionamentos ao palestrante sobre os diversos temas abordados.
De acordo com Rudá Ricci, a partir da década de 1990 houve a consolidação de uma concepção gerencial do Estado brasileiro, caracterizada por fatores, como a adoção de técnicas utilizadas por empresas privadas e pelo distanciamento de uma cultura de Estado democrático voltado especialmente ao combate às desigualdades sociais no País. Além disso, segundo ele, o desenvolvimento de políticas de Estado passou a ser intermediado sobretudo por partidos políticos, consolidando-as como programas de governos. Segundo o cientista político, os servidores públicos possuem um papel fundamental para transformar este cenário e devem discutir amplamente o tema. “É preciso que os servidores tenham coragem de fazer um debate forte sobre qual é o papel do Estado. Quem vai pensar o Estado e a Nação, senão aqueles que são pagos para isso? O Estado são vocês, servidores públicos. O Estado e o espaço público são as razões da existência do serviço público”, declarou.
O especialista também conclamou os Analistas-Tributários presentes a contestarem propostas de redução do Estado defendidas por diversos setores e agentes políticos atualmente. Conforme dados do Ministério do Planejamento destacados por Ricci, a administração pública representa cerca de 10% do total de empregos do País. Além disso, segundo informações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil possui uma média de 60 servidores públicos para cada mil habitantes, ficando em 13º lugar no ranking divulgado pela agência, registrando média inferior à de países, como a Finlândia (251 servidores), o Reino Unido (198 servidores), a Alemanha (142 servidores) e o Peru (140 servidores). “O Estado brasileiro é pequeno e quem diz o contrário não estudou os dados sobre o tema. Não temos excesso de funcionários públicos no Brasil. É preciso que vocês, servidores, combatam o discurso do Estado mínimo na sociedade e, também, entre a própria categoria, pois há servidores públicos que defendem a redução do Estado”, destacou o cientista político.
Individualismo e meritocracia
Em sua avaliação de conjuntura, Rudá Ricci ressaltou ainda que o País vive atualmente um cenário de conservadorismo popular, de individualismo e de discursos em defesa da meritocracia, que são prejudiciais à democracia e ao Estado. Segundo ele, os dois primeiros são consequências do processo de inclusão social ocorrido no Brasil a partir de 2005 através de diversas medidas de estímulo ao consumo. “O conservadorismo popular arraigado é fruto da inclusão social pelo consumo, que foi estimulada e fomentada pelo “lulismo” a partir de 2005. Quando aqueles que se sentem excluídos são incluídos pelo consumo e não pela política, ou pelo direito, aumenta-se o individualismo, porque a pessoa percebe que ela é querida pela família, vizinhos e amigos pelos bens que ela consegue consumir”, avaliou Ricci.
O individualismo e a defesa da meritocracia, segundo o palestrante, também estão presentes no serviço público brasileiro e devem ser combatidos. De acordo com o especialista, no Brasil, o ambiente se tornou propício para a cultura da meritocracia na primeira década do século 21, quando o número de servidores portadores de diploma de curso superior subiu de 42,3% para 45,9% e quando aumentaram, também, os percentuais de pós-graduação (3,2% para 4%), de mestrado (4,1% para 6,5%) e de doutorado (4,5% para 10,1%). “Nós assessoramos vários sindicatos de funcionários públicos no Brasil e estamos estudando muito as carreiras do serviço público. Ficamos muito surpresos com o alto individualismo. Quando chegamos perto do período de campanha salarial, aumenta-se o índice de sindicalização e, dois meses depois, cai. Isso é absurdo, pois a pessoa só se sindicaliza para tirar algum proveito. A meritocracia passou a não ser mais um critério da ascensão, passou a ser um critério moral. Do ponto de vista político, um país e um serviço público mergulhados no valor da meritocracia significa o fim da democracia, significa que o seu deus é o concurso e não o cidadão que paga o imposto que paga o seu salário. Isso é o fim da noção de serviço público”, disse.
Combate aos retrocessos
Os impactos causados pela Emenda Constitucional nº 95 de 2016, que congelou despesas primárias por 20 anos, também foram discutidos pelo cientista político durante a sua explanação. Segundo Ricci, é fundamental que o texto seja derrubado para evitar danos graves à população e ao Estado brasileiro. “Não existe nada similar a essa lei no mundo inteiro e, caso ela não seja derrubada, em 20 anos nós teremos o gasto na área social similar ao Congo e Madagascar. Isso envolve os servidores públicos também, pois dificilmente teremos novos concurso em função desta emenda” alertou.
O cientista político também ressaltou dados de pesquisa desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP), que revelou que o Brasil vive um quadro de precarização das condições de trabalho na inciativa privada causados pela aprovação de leis, como a reforma trabalhista e a terceirização irrestrita. De acordo com a projeção da USP, 45% dos trabalhadores brasileiros são terceirizados atualmente e esse percentual deve chegar a 75% nos próximos quatro anos, em virtude das normas defendidas e aprovadas pelo atual governo.
Eleições 2018
“Essa eleição é quase uma roleta russa do começo ao fim”, avaliou Ricci sobre o pleito que se avizinha. O cenário de imprevisibilidade permanecerá, segundo ele, até que seja aberto o primeiro dia de tempo de TV aos candidatos, para que apresentem suas propostas à população. O palestrante também apresentou diversas pesquisas recentes sobre as intenções de voto nas eleições presidenciais e destacou diversos aspectos do cenário eleitoral, tais como questões ideológicas, desempenho dos candidatos à Presidência nos estados, influência dos deputados federais nas decisões dos poderes Executivo e Judiciário, entre outros.
O palestrante também sugeriu aos participantes do evento a leitura de diversas pesquisas e livros que auxiliam na compreensão sobre o perfil dos eleitores brasileiros. Entre os materiais, encontram-se o Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB), a pesquisa “Radiografia das Favelas Brasileiras”, realizada pelo Data Popular e do livro “Vozes do Bolsa Família”, de autoria de Alessandro Pinzani e Walquiria G. Domingues Leão Rego.
Ao final da explanação, o presidente do Sindireceita, Geraldo Seixas, elogiou a avaliação de conjuntura realizada por Ricci. “Essa avaliação de conjuntura teve como intuito nos fornecer subsídios para que nós possamos, ao longo desta semana, fundamentar melhor os nossos debates. Pelo grau de participação da plateia e os efusivos aplausos para mim ficou evidente que esse objetivo foi cumprido. Sinto-me plenamente satisfeito com a sua participação nesta AGN”, declarou Gerado Seixas.